quarta-feira, 18 de setembro de 2013


"A função do Supremo não é política. É institucional jurídica", diz Jobim

Por Clarissa Oliveira e Vasconcelo Quadros , iG Brasília | - Atualizada às
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Ex-presidente do STF fala em entrevista ao iG dos desafios do julgamento do mensalão e sobre sua saída do governo

A poucas horas da decisão que pode mudar os rumos do mensalão, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim não quer entrar no mérito do julgamento, mas alerta para os riscos do voluntarismo judicial e diz que a Corte não pode se afastar da Constituição e nem do sistema legal.


“A função do Supremo não é uma função política. É uma função institucional jurídica”, diz Jobim em entrevista exclusiva ao IG . “Se (o STF) se afastar do sistema legal e resolver ter um voluntarismo legal, vai autorizar qualquer tipo de voluntarismo legal em qualquer lugar”, adverte.
O que é necessário saber sobre um juiz do STF, diz o ex-ministro, é o que está na Constituição: “Se ele é contrário ao texto constitucional, renuncie. Ou não vota ou renuncia”.
Jobim diz que o ministro Celso de Mello, seu vizinho de apartamento num dos prédios da Asa Sul, em Brasília, a quem caberá decidir nesta quarta-feira pelo fim do processo ou por um novo julgamento para 12 condenados do mensalão - entre eles José Dirceu - é um juiz imune a pressões.
Na entrevista em que fala sobre vários temas polêmicos, Jobim diz também que seu ex-colega de STF, Gilmar Mendes, traiu uma relação de confiança e colaborou para a publicação de uma notícia “falsa” ao confirmar para a revista Veja, em maio do ano passado, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o havia pressionado para adiar o julgamento do mensalão .
iG: Como o senhor vê o que está ocorrendo no julgamento do mensalão?
Jobim: Eu não vou opinar. Tenho posição muito clara, antiga, a respeito deste assunto.
iG: Mas o senhor chegou a ser apontado como intermediador de uma reunião entre o ex-presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes, justamente para interferir no andamento do julgamento.
Jobim: É falso, absolutamente falso. Esta versão é a versão apresentada pelo ministro Gilmar. Não é verdadeiro. Na época em que houve um café da manhã no meu escritório, Lula queria me visitar. Eu tinha saído do Ministério da Defesa na época e ele queria me fazer uma visita. E o Gilmar foi convidado para ir também. Foi uma conversa tranquila, sem nenhuma dificuldade. Eu que perguntei ao Gilmar sobre o andamento do mensalão, se ia votar ou não ia votar. Ele disse que achava melhor votar logo para resolver o assunto e foi isso. Trinta dias depois desse café da manhã é que houve essa indignação do ministro Gilmar fazendo uma versão que não era verdadeira e que, na época, eu neguei. Continuo negando.

Alan Sampaio / iG Brasília
Ex-ministro da defesa Nelson Jobim diz que nunca mais falou com Gilmar Mendes

iG: Então, a bola foi passada para o senhor?
Jobim: Aquilo tudo era falso. Aquela exaltação que foi manifestada. Curiosa exaltação. Trinta dias depois você fica furioso. A conversa não foi em nada naquele sentido. Não houve absolutamente nada daquilo. Foi uma conversa amigável. Ele não estava muito bem com um problema de perna, tinha até uma escada no escritório. Depois, eu e o ministro Gilmar ficamos conversando um pouco. E 30 dias depois é que eu recebo a notícia de uma matéria da Veja. Mandei uns SMS que eu tenho guardados ao ministro Gilmar. E ele disse que houve uma série de coisas, que ele havia conversado com A, com B, com C. E que a versão que tinha saído na Veja vinha de terceiros. E eu então disse, mas é curioso. Como assim de terceiros, se éramos só nós três? E depois disso nunca mais falei com o ministro Gilmar.
iG: Isso, então, abalou sua relação com ele.
Jobim: Desapareceu. Não falei mais, nem falarei.
iG: Independentemente do julgamento do mensalão, há uma avaliação de alguns setores de que o STF joga para a plateia. Há críticas à gestão do presidente Joaquim Barbosa. O senhor, como ex-ministro do Supremo, acha que isso contribui para uma dificuldade de relacionamento institucional?
Jobim: Eu não quero fazer nenhuma consideração sobre o julgamento do mensalão. Não me compete fazer isso. Isso é competência do Supremo. O que é fundamental é que o Supremo tem de decidir de acordo com a Constituição. O Supremo tem uma função: aplicar a Constituição e o sistema legal. Não se pode querer saber o que o juiz pensa sobre o assunto. Tem de saber o que o juiz tem de fazer sobre o assunto a partir da Constituição. Se ele é contrário ao texto constitucional, renuncie. Ou não vota ou renuncia. Agora, ir contra o texto constitucional é você subverter totalmente o sistema. A função do Supremo não é uma função política. É uma função institucional jurídica. A posição do Supremo é jurídico-política. Claro que você tem a visão dos problemas e as consequências. Mas você não pode se afastar do sistema legal. Se você se afastar do sistema legal e resolver ter um voluntarismo legal você vai autorizar qualquer tipo de voluntarismo em qualquer lugar.
iG: Quanto à interferência no Legislativo, por exemplo, o fato de o Supremo ter se posicionado sobre a cassação de parlamentares ou sobre a criação de novos partidos, são todos fatos que chamaram a atenção.
Jobim: Aquilo foi um erro. Foi um avanço. Aquela concessão de liminar (do ministro Gilmar Mendes), na minha opinião, foi um erro. Você não tem autorização no Supremo de suspender a discussão parlamentar. Absolutamente não tem. Se a lei que vier a ser produzida na discussão parlamentar for inconstitucional, aí isso vai ser votado. Nós não temos um sistema de antecipação de controle. Se uma lei, no mérito, era boa ou má, se aquela discussão era má, não cabe ao Supremo entrar nisso. O Supremo tem de decidir no final. Votou, está aprovado, aí vamos verificar se a lei é constitucional. Agora, dizer: você (o Congresso) não pode discutir esse assunto porque nós entendemos que é inconstitucional? Isso é abuso.
iG: O Supremo está extrapolando suas funções?
Jobim: Nesse caso, sim. Não é bem o Supremo. É um ministro. Depois inclusive cassaram a decisão dele.
iG: Sobre PEC 37, o senhor acredita que pode ter algum desdobramento ainda?
Jobim: À época da Constituinte, o Ministério Público queria ter poder investigatório. Não foi concedido. Houve uma discussão muito forte. Quem liderava na Câmara as discussões sobre Ministério Público era o deputado Ibsen Pinheiro, que depois veio a ser presidente da Câmara. Tentamos encontrar uma fórmula, que era a supervisão e não a investigação. Depois o Ministério Público começou a estender, no sentido de pretender ter direito à investigação. Aí vem essa PEC para definir que não deveria ter direito de investigação. Eu mesmo, no Supremo, afirmei em alguns momentos que o Ministério Público não tinha poder investigatório. O problema todo, veja, é que se quem acusa promove investigação, você cria um problema. Ministério Público acusa e defesa defende. Agora, aí o Ministério Público tem poder de investigação. Se vamos dar ao acusador poder investigatório, vamos dar à defesa poder de investigar?

Alan Sampaio / iG Brasília
Jobim diz que processo de compra de caças está paralisado

iG: Esse excesso de PICs (Processos Investigatórios Criminais) pode significar um abalo? Porque o Supremo tem hoje mais de 100 ações questionando inquéritos que o próprio Ministério Público já tocou.
Jobim: Pode acontecer. Se há vícios no inquérito, pode ter problema. Vai depender do que for adiante. Agora, veja bem, nós não podemos admitir lesões no devido processo legal sobre o argumento de que o sujeito é culpado. Isso é muito bom quando acontece com os outros. O dia em que acontecer contigo você vai ver como as coisas são diferentes. Você tem de se preservar para ter a segurança de que a presunção de inocência, que é uma regra constitucional pétrea, tem de ser mantida. Hoje, estamos naquela ideia: não presumimos inocência, condenamos o sujeito e depois queremos atropelar tudo porque já foi condenado.
iG: Vale para o mensalão também? No caso do (José) Genoino o senhor assinou um manifesto.
Jobim: No caso do Genoino, sim. Conheço o Genoino há 200 anos.
iG: E outros réus também?
Jobim: Não vou fazer menção ao mensalão. O que nós precisamos ter é a transparência do devido processo legal, com a presunção absoluta da inocência. Agora, se quiserem mudar isso, deem um golpe e estabeleçam como projeto do golpe - não militar porque os militares não vão acompanhar, civil teria de dar um golpe – para dizer: não há presunção de inocência. É presumido culpado quem é acusado. Esta regra não é a regra que nós temos.
iG: O que o senhor acha da teoria do domínio do fato?
Jobim: Não gosto. Não gosto porque, você sabe, houve em São Paulo uma coisa curiosa. Alguém me disse que apreenderam um jovem, de 18, 19 anos, que vendia esses CDs piratas, DVD pirata. E foi preso. E um promotor denunciou também a mãe. Porque o menino é quem sustentava a casa. Logo a mãe tinha domínio do fato, logo ela era culpada. Ponto. Aí você exige, por exemplo, que uma mãe ou um pai que tem um filho que mexe com drogas tenha de denunciar o filho à polícia. Isso se fazia no nazismo.
iG: O senhor, como ex-ministro da Defesa, como vê a movimentação para excluir a Boeing da concorrência para a compra de caças para a FAB, por conta das denúncias de espionagem do governo americano sobre a presidente Dilma?
Jobim: Aí está sendo politizado o problema. Está se fazendo uma espécie de retaliação. Você investigou aqui, vou retaliar aqui. A questão é que, número um, necessitamos ou não necessitamos de defesa aérea? Se respondermos sim à pergunta, a estratégia nacional de Defesa que o ministro Mangabeira (Unger) e eu fizemos, e que o presidente Lula aprovou, estabelecia que o Brasil não seria mais comprador líquido de produtos de defesa, mas seria parceiro, como fizemos a parceria com os franceses com relação à construção de um submarino nuclear com a previsão de transferência de tecnologia. Ou seja, nós queríamos aprender fazendo. E com a obrigação de transferência de tecnologia. Ocorre que a legislação americana não permite que o governo participe da transação. É a empresa que participa da transação. Agora, se a empresa promete a transferência de tecnologia e o governo americano, lá adiante, seja o Senado ou o Departamento de Estado, resolva entender que aquela transferência de tecnologia vai contra os interesses dos Estados Unidos, ele pode, pela legislação americana, mandar suspender a transferência de tecnologia. Aí surge um problema. O estado, prejudicado, pode ir contra a empresa. Agora, na legislação americana, quem responde pelos danos contratuais é o próprio governo. Ou seja, independentemente de quem fez ou não fez espionagem, se a legislação americana continua nessa modelagem, em que o governo não se compromete em assegurar a transferência de tecnologia prometida pela empresa, no caso a Boeing, como é que você vai fazer negócio? Então, vamos voltar para o modelo antigo. Vamos comprar os aviões e pronto. Comprar o mais barato etc, etc. Agora, é evidente que, se você está comprando tecnologia junto, o preço é diferente. Não é o preço de comprar uma coisa de balcão. Você está comprando um conhecimento, uma técnica, para desenvolver o país. É o que aconteceu no caso francês. O valor é alto, mas você tem um enorme desenvolvimento tecnológico. Então, não dá para misturar as coisas. Se não tivessem feito espionagem, eu compraria dos americanos, mesmo que eles pudessem no futuro trancar a tecnologia? Então, continua o mesmo.
iG: No fim das contas foi só uma justificativa para dar uma resposta aos EUA?
Jobim: Eu acho que esse processo da compra de caças está paralisado. Acho que tudo isso faz parte do discurso. Isso começou no Fernando Henrique, depois houve um momento no governo Lula com o ministro (José) Viegas, depois parou de novo, voltou quando eu assumi, acabou que escolheram três finalistas – a Boeing, o Gripen sueco da Saab e a Dassault com o Rafale. E aí você tinha o problema da transferência de tecnologia, que era a dificuldade. E os preços são diferentes.
iG: Da política, o senhor está afastado, ou ainda pensa no assunto?
Jobim: Eu estou fora. Posso participar de uma reunião aqui e acolá, participar e ajudar, mas não quero mais. Passaram trinta anos já e eu não quero mais saber disso.
iG: Olhando para trás o senhor acha que foi injusta a sua saída do ministério?

Jobim:
Como injusta?
iG: Considerando que o senhor acabou saindo em meio àquela faxina que a presidente Dilma fez. O senhor foi jogado nesse balaio?
Jobim: Não. Eu fiz críticas ao próprio governo, críticas que parecem que foram corretas. Tanto é que isso se afirmou depois. Mas o fato é que era diferente a minha relação como ministro da Defesa à época, da relação que eu tinha com o presidente Lula. Com a presidente Dilma, a relação pessoal é muito boa, excelente. Sem nenhuma dificuldade. Mas a Defesa não estava dentro do viés político do novo governo. E eu já estava cansado daquilo. Inclusive eu tinha pedido para sair em abril. Eu tinha solicitado ao ministro (Antonio) Palocci para me afastar do governo em abril. Daí me seguraram. A própria presidente fez um almoço para conversar comigo, no Palácio, e eu fiquei. Mas as coisas não se desenvolviam. Os processos. Eu havia inclusive apresentado ao governo, no início, um plano diretor preliminar para a Defesa, nos quatro anos de governo. Nunca foi apreciado. E aí eu comecei a dizer coisas que tinham de ser ditas. Foi dito, acabou
iG: E hoje o senhor acredita que o governo não dá à Defesa a atenção que deveria?
Jobim: Não sei, estou fora do governo. Estou fora da Defesa. Agora estou tratando de interesses privados. Só que o que se nota é que há uma diferença fundamental do que era o governo Lula e o que é o governo Dilma. A disfuncionalidade é enorme. É uma questão de temperamento. E você vê as dificuldades que existem no processo decisório. É difícil. Os processos são longos, difíceis. Os ministros têm receio. Mas são coisas “déjà vu”.
iG: A vida pessoal está como?
Jobim: Estou advogando. Advogando aqui em Brasília, mas fundamentalmente, em São Paulo. Vivendo bem. Não quero mais saber.

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