quarta-feira, 18 de setembro de 2013


"A função do Supremo não é política. É institucional jurídica", diz Jobim

Por Clarissa Oliveira e Vasconcelo Quadros , iG Brasília | - Atualizada às
Texto 
Ex-presidente do STF fala em entrevista ao iG dos desafios do julgamento do mensalão e sobre sua saída do governo

A poucas horas da decisão que pode mudar os rumos do mensalão, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim não quer entrar no mérito do julgamento, mas alerta para os riscos do voluntarismo judicial e diz que a Corte não pode se afastar da Constituição e nem do sistema legal.


“A função do Supremo não é uma função política. É uma função institucional jurídica”, diz Jobim em entrevista exclusiva ao IG . “Se (o STF) se afastar do sistema legal e resolver ter um voluntarismo legal, vai autorizar qualquer tipo de voluntarismo legal em qualquer lugar”, adverte.
O que é necessário saber sobre um juiz do STF, diz o ex-ministro, é o que está na Constituição: “Se ele é contrário ao texto constitucional, renuncie. Ou não vota ou renuncia”.
Jobim diz que o ministro Celso de Mello, seu vizinho de apartamento num dos prédios da Asa Sul, em Brasília, a quem caberá decidir nesta quarta-feira pelo fim do processo ou por um novo julgamento para 12 condenados do mensalão - entre eles José Dirceu - é um juiz imune a pressões.
Na entrevista em que fala sobre vários temas polêmicos, Jobim diz também que seu ex-colega de STF, Gilmar Mendes, traiu uma relação de confiança e colaborou para a publicação de uma notícia “falsa” ao confirmar para a revista Veja, em maio do ano passado, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o havia pressionado para adiar o julgamento do mensalão .
iG: Como o senhor vê o que está ocorrendo no julgamento do mensalão?
Jobim: Eu não vou opinar. Tenho posição muito clara, antiga, a respeito deste assunto.
iG: Mas o senhor chegou a ser apontado como intermediador de uma reunião entre o ex-presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes, justamente para interferir no andamento do julgamento.
Jobim: É falso, absolutamente falso. Esta versão é a versão apresentada pelo ministro Gilmar. Não é verdadeiro. Na época em que houve um café da manhã no meu escritório, Lula queria me visitar. Eu tinha saído do Ministério da Defesa na época e ele queria me fazer uma visita. E o Gilmar foi convidado para ir também. Foi uma conversa tranquila, sem nenhuma dificuldade. Eu que perguntei ao Gilmar sobre o andamento do mensalão, se ia votar ou não ia votar. Ele disse que achava melhor votar logo para resolver o assunto e foi isso. Trinta dias depois desse café da manhã é que houve essa indignação do ministro Gilmar fazendo uma versão que não era verdadeira e que, na época, eu neguei. Continuo negando.

Alan Sampaio / iG Brasília
Ex-ministro da defesa Nelson Jobim diz que nunca mais falou com Gilmar Mendes

iG: Então, a bola foi passada para o senhor?
Jobim: Aquilo tudo era falso. Aquela exaltação que foi manifestada. Curiosa exaltação. Trinta dias depois você fica furioso. A conversa não foi em nada naquele sentido. Não houve absolutamente nada daquilo. Foi uma conversa amigável. Ele não estava muito bem com um problema de perna, tinha até uma escada no escritório. Depois, eu e o ministro Gilmar ficamos conversando um pouco. E 30 dias depois é que eu recebo a notícia de uma matéria da Veja. Mandei uns SMS que eu tenho guardados ao ministro Gilmar. E ele disse que houve uma série de coisas, que ele havia conversado com A, com B, com C. E que a versão que tinha saído na Veja vinha de terceiros. E eu então disse, mas é curioso. Como assim de terceiros, se éramos só nós três? E depois disso nunca mais falei com o ministro Gilmar.
iG: Isso, então, abalou sua relação com ele.
Jobim: Desapareceu. Não falei mais, nem falarei.
iG: Independentemente do julgamento do mensalão, há uma avaliação de alguns setores de que o STF joga para a plateia. Há críticas à gestão do presidente Joaquim Barbosa. O senhor, como ex-ministro do Supremo, acha que isso contribui para uma dificuldade de relacionamento institucional?
Jobim: Eu não quero fazer nenhuma consideração sobre o julgamento do mensalão. Não me compete fazer isso. Isso é competência do Supremo. O que é fundamental é que o Supremo tem de decidir de acordo com a Constituição. O Supremo tem uma função: aplicar a Constituição e o sistema legal. Não se pode querer saber o que o juiz pensa sobre o assunto. Tem de saber o que o juiz tem de fazer sobre o assunto a partir da Constituição. Se ele é contrário ao texto constitucional, renuncie. Ou não vota ou renuncia. Agora, ir contra o texto constitucional é você subverter totalmente o sistema. A função do Supremo não é uma função política. É uma função institucional jurídica. A posição do Supremo é jurídico-política. Claro que você tem a visão dos problemas e as consequências. Mas você não pode se afastar do sistema legal. Se você se afastar do sistema legal e resolver ter um voluntarismo legal você vai autorizar qualquer tipo de voluntarismo em qualquer lugar.
iG: Quanto à interferência no Legislativo, por exemplo, o fato de o Supremo ter se posicionado sobre a cassação de parlamentares ou sobre a criação de novos partidos, são todos fatos que chamaram a atenção.
Jobim: Aquilo foi um erro. Foi um avanço. Aquela concessão de liminar (do ministro Gilmar Mendes), na minha opinião, foi um erro. Você não tem autorização no Supremo de suspender a discussão parlamentar. Absolutamente não tem. Se a lei que vier a ser produzida na discussão parlamentar for inconstitucional, aí isso vai ser votado. Nós não temos um sistema de antecipação de controle. Se uma lei, no mérito, era boa ou má, se aquela discussão era má, não cabe ao Supremo entrar nisso. O Supremo tem de decidir no final. Votou, está aprovado, aí vamos verificar se a lei é constitucional. Agora, dizer: você (o Congresso) não pode discutir esse assunto porque nós entendemos que é inconstitucional? Isso é abuso.
iG: O Supremo está extrapolando suas funções?
Jobim: Nesse caso, sim. Não é bem o Supremo. É um ministro. Depois inclusive cassaram a decisão dele.
iG: Sobre PEC 37, o senhor acredita que pode ter algum desdobramento ainda?
Jobim: À época da Constituinte, o Ministério Público queria ter poder investigatório. Não foi concedido. Houve uma discussão muito forte. Quem liderava na Câmara as discussões sobre Ministério Público era o deputado Ibsen Pinheiro, que depois veio a ser presidente da Câmara. Tentamos encontrar uma fórmula, que era a supervisão e não a investigação. Depois o Ministério Público começou a estender, no sentido de pretender ter direito à investigação. Aí vem essa PEC para definir que não deveria ter direito de investigação. Eu mesmo, no Supremo, afirmei em alguns momentos que o Ministério Público não tinha poder investigatório. O problema todo, veja, é que se quem acusa promove investigação, você cria um problema. Ministério Público acusa e defesa defende. Agora, aí o Ministério Público tem poder de investigação. Se vamos dar ao acusador poder investigatório, vamos dar à defesa poder de investigar?

Alan Sampaio / iG Brasília
Jobim diz que processo de compra de caças está paralisado

iG: Esse excesso de PICs (Processos Investigatórios Criminais) pode significar um abalo? Porque o Supremo tem hoje mais de 100 ações questionando inquéritos que o próprio Ministério Público já tocou.
Jobim: Pode acontecer. Se há vícios no inquérito, pode ter problema. Vai depender do que for adiante. Agora, veja bem, nós não podemos admitir lesões no devido processo legal sobre o argumento de que o sujeito é culpado. Isso é muito bom quando acontece com os outros. O dia em que acontecer contigo você vai ver como as coisas são diferentes. Você tem de se preservar para ter a segurança de que a presunção de inocência, que é uma regra constitucional pétrea, tem de ser mantida. Hoje, estamos naquela ideia: não presumimos inocência, condenamos o sujeito e depois queremos atropelar tudo porque já foi condenado.
iG: Vale para o mensalão também? No caso do (José) Genoino o senhor assinou um manifesto.
Jobim: No caso do Genoino, sim. Conheço o Genoino há 200 anos.
iG: E outros réus também?
Jobim: Não vou fazer menção ao mensalão. O que nós precisamos ter é a transparência do devido processo legal, com a presunção absoluta da inocência. Agora, se quiserem mudar isso, deem um golpe e estabeleçam como projeto do golpe - não militar porque os militares não vão acompanhar, civil teria de dar um golpe – para dizer: não há presunção de inocência. É presumido culpado quem é acusado. Esta regra não é a regra que nós temos.
iG: O que o senhor acha da teoria do domínio do fato?
Jobim: Não gosto. Não gosto porque, você sabe, houve em São Paulo uma coisa curiosa. Alguém me disse que apreenderam um jovem, de 18, 19 anos, que vendia esses CDs piratas, DVD pirata. E foi preso. E um promotor denunciou também a mãe. Porque o menino é quem sustentava a casa. Logo a mãe tinha domínio do fato, logo ela era culpada. Ponto. Aí você exige, por exemplo, que uma mãe ou um pai que tem um filho que mexe com drogas tenha de denunciar o filho à polícia. Isso se fazia no nazismo.
iG: O senhor, como ex-ministro da Defesa, como vê a movimentação para excluir a Boeing da concorrência para a compra de caças para a FAB, por conta das denúncias de espionagem do governo americano sobre a presidente Dilma?
Jobim: Aí está sendo politizado o problema. Está se fazendo uma espécie de retaliação. Você investigou aqui, vou retaliar aqui. A questão é que, número um, necessitamos ou não necessitamos de defesa aérea? Se respondermos sim à pergunta, a estratégia nacional de Defesa que o ministro Mangabeira (Unger) e eu fizemos, e que o presidente Lula aprovou, estabelecia que o Brasil não seria mais comprador líquido de produtos de defesa, mas seria parceiro, como fizemos a parceria com os franceses com relação à construção de um submarino nuclear com a previsão de transferência de tecnologia. Ou seja, nós queríamos aprender fazendo. E com a obrigação de transferência de tecnologia. Ocorre que a legislação americana não permite que o governo participe da transação. É a empresa que participa da transação. Agora, se a empresa promete a transferência de tecnologia e o governo americano, lá adiante, seja o Senado ou o Departamento de Estado, resolva entender que aquela transferência de tecnologia vai contra os interesses dos Estados Unidos, ele pode, pela legislação americana, mandar suspender a transferência de tecnologia. Aí surge um problema. O estado, prejudicado, pode ir contra a empresa. Agora, na legislação americana, quem responde pelos danos contratuais é o próprio governo. Ou seja, independentemente de quem fez ou não fez espionagem, se a legislação americana continua nessa modelagem, em que o governo não se compromete em assegurar a transferência de tecnologia prometida pela empresa, no caso a Boeing, como é que você vai fazer negócio? Então, vamos voltar para o modelo antigo. Vamos comprar os aviões e pronto. Comprar o mais barato etc, etc. Agora, é evidente que, se você está comprando tecnologia junto, o preço é diferente. Não é o preço de comprar uma coisa de balcão. Você está comprando um conhecimento, uma técnica, para desenvolver o país. É o que aconteceu no caso francês. O valor é alto, mas você tem um enorme desenvolvimento tecnológico. Então, não dá para misturar as coisas. Se não tivessem feito espionagem, eu compraria dos americanos, mesmo que eles pudessem no futuro trancar a tecnologia? Então, continua o mesmo.
iG: No fim das contas foi só uma justificativa para dar uma resposta aos EUA?
Jobim: Eu acho que esse processo da compra de caças está paralisado. Acho que tudo isso faz parte do discurso. Isso começou no Fernando Henrique, depois houve um momento no governo Lula com o ministro (José) Viegas, depois parou de novo, voltou quando eu assumi, acabou que escolheram três finalistas – a Boeing, o Gripen sueco da Saab e a Dassault com o Rafale. E aí você tinha o problema da transferência de tecnologia, que era a dificuldade. E os preços são diferentes.
iG: Da política, o senhor está afastado, ou ainda pensa no assunto?
Jobim: Eu estou fora. Posso participar de uma reunião aqui e acolá, participar e ajudar, mas não quero mais. Passaram trinta anos já e eu não quero mais saber disso.
iG: Olhando para trás o senhor acha que foi injusta a sua saída do ministério?

Jobim:
Como injusta?
iG: Considerando que o senhor acabou saindo em meio àquela faxina que a presidente Dilma fez. O senhor foi jogado nesse balaio?
Jobim: Não. Eu fiz críticas ao próprio governo, críticas que parecem que foram corretas. Tanto é que isso se afirmou depois. Mas o fato é que era diferente a minha relação como ministro da Defesa à época, da relação que eu tinha com o presidente Lula. Com a presidente Dilma, a relação pessoal é muito boa, excelente. Sem nenhuma dificuldade. Mas a Defesa não estava dentro do viés político do novo governo. E eu já estava cansado daquilo. Inclusive eu tinha pedido para sair em abril. Eu tinha solicitado ao ministro (Antonio) Palocci para me afastar do governo em abril. Daí me seguraram. A própria presidente fez um almoço para conversar comigo, no Palácio, e eu fiquei. Mas as coisas não se desenvolviam. Os processos. Eu havia inclusive apresentado ao governo, no início, um plano diretor preliminar para a Defesa, nos quatro anos de governo. Nunca foi apreciado. E aí eu comecei a dizer coisas que tinham de ser ditas. Foi dito, acabou
iG: E hoje o senhor acredita que o governo não dá à Defesa a atenção que deveria?
Jobim: Não sei, estou fora do governo. Estou fora da Defesa. Agora estou tratando de interesses privados. Só que o que se nota é que há uma diferença fundamental do que era o governo Lula e o que é o governo Dilma. A disfuncionalidade é enorme. É uma questão de temperamento. E você vê as dificuldades que existem no processo decisório. É difícil. Os processos são longos, difíceis. Os ministros têm receio. Mas são coisas “déjà vu”.
iG: A vida pessoal está como?
Jobim: Estou advogando. Advogando aqui em Brasília, mas fundamentalmente, em São Paulo. Vivendo bem. Não quero mais saber.

Notícias 18 setembro 2013 AP 470 Celso de Mello decide que STF vai julgar Infringentes Por Rafael Baliardo e Elton Bezerra O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, deu nesta quarta-feira (18/9) voto favorável ao cabimento dos Embargos Infringentes na Ação Penal 470, o processo do mensalão, e assim fechou o julgamento em 6 a 5 pela admissibilidade do recurso. Último a votar na questão, o decano desempatou o julgamento, e assim garantiu a 12 réus o direito de ter parte de suas condenações revista pela corte. Celso de Mello acompanhou a divergência aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso e os votos do revisor, Ricardo Lewandowski, e dos colegas Dias Toffoli, Rosa Weber e Teori Zavascki. Ficaram vencidos o relator e presidente do STF, Joaquim Barbosa, e os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Em seu longo voto de minerva, o decano reafirmou o que já havia dito no dia 2 de agosto do ano passado, quando reiterou que os Embargos Infringentes estão previstos no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e não foram, assim, suprimidos pela Lei 8038, de 1990. Nos últimos dias, diversas manifestações na imprensa e da sociedade civil fizeram coro pela rejeição dos Embargos Infringentes. Alinhadas à tese do relator e presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, afirmam que a Lei 8.038 de 1990, que regulamentou o trâmite de processos no STF e no STJ, teria revogado implicitamente o dispositivo que trata dos Embargos Infringentes. O recurso está previsto no artigo 333 do Regimento Interno do STF e necessita de pelo menos quatro votos divergentes pela absolvição para ser admitido. Celso de Mello disse que a corte não pode deixar se influenciar pelo clamor popular e nem pela pressão das multidões, sob pena de abalar direitos e garantias individuais. "[Juízes] não podem deixar contaminar-se por juízos paralelos resultantes de manifestações da opinião pública que objetivem condicionar a manifestação de juízes e tribunais. Estar-se-ia a negar a acusados o direito fundamental a um julgamento justo. Constituiria manifesta ofensa ao que proclama a Constituição e ao que garantem os tratados internacionais", afirmou. Celso também fez referência ao Pacto de São José da Costa Rica, que prevê o duplo grau de jurisdição como direito de todo réu. “O direito ao duplo grau de jurisdição é indispensável. Não existem ressalvas [quanto a isso] pela Corte Interamericana de Direitos Humanos", disse Celso de Mello. Para demonstrar que o legislador reconheceu cabimento dos Embargos Infringentes e optou por sua manutenção, Celso de Mello lembrou que, em 1998 o presidente Fernando Henrique Cardoso enviou para o Congresso uma proposta que acabava com os infringentes. Os parlamentares, entretanto, rejeitaram a ideia. Dos 25 condenados, 12 terão direito aos Infringentes: João Paulo Cunha, João Cláudio Genu e Breno Fischberg, no caso de suas condenações por lavagem de dinheiro; e José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Kátia Rabello e José Roberto Salgado, no caso de formação de quadrilha. Simone Vasconcelos poderá recorrer contra a condenação por formação de quadrilha, já prescrita, e contra as penas aplicadas pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Ordem jurídica O ministro começou se referindo às condições sob as quais a sessão de julgamento da última quinta-feira foi encerrada (12/9). Os longos votos dos ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio foram atribuídos, por advogados e juristas que acompanharam o julgamento, como expediente para que o voto de desempate do decano fosse adiado. O presidente da corte, ministro Joaquim Barbosa interrompeu a sessão apesar do pedido de Celso de Mello para votar. O decano disse que o encerramento da sessão na semana passada, “seja qual foi sua causa”, teve sobre ele um “efeito virtuoso”, o levando a “aprofundar sua convicção” já firmada. Conhecido por votos longos e minuciosos, o decano não fez concessões na sessão desta quarta. Atacou ponto por ponto dos votos dos colegas que se posicionaram contra a admissão dos embargos, abordando, para tanto, do Direito imperial português à teoria geral dos recursos. Em resposta ao argumento de que a supressão implícita da norma regimental se daria por força de uma lei superveninente, observou aos colegas que o Legislativo, a quem compete exclusivamente a disciplina da matéria, já havia se manifestado por sua manutenção. Sobre a ideia da norma legal prevalecer sobre um dispositivo regimental, demonstrou que a Constituição é que estabelece quando uma ou outra predomina. Não poupou ainda argumentos e exemplos pinçados da jurisprudência afim de contrapor o voto do ministro Luiz Fux, que havia dito que o duplo grau de jurisdição era um mito e que o Brasil não precisava se submeter a tratados internacionais. Chegou até mesmo a explicitar a relevância formal da condição de quatro votos pela absovição para a admissão do recurso em resposta à provocação do ministro Gilmar Mendes, que havia se referido a necessidade de quatro votos divergentes como um "número cabalístico". Em uma fala que se estendeu por mais de duas horas, o ministro fez um apelo ao que chamou de prevalência da racionalidade jurídica, que não pode ser submetida “à mercê da vontade e do arbítrio” da coletividade. Antes de abordar a parte mais técnica do seu voto, Celso de Mello disse que, embora todo o poder emane do povo, a representação popular junto ao Poder Judiciário não é exercida diretamente e, portanto, não se dá no campo das escolhas políticas, mas da aplicação do Direito. “Só a ordem jurídica constrói”, disse ao defender o respeito incondicional às diretrizes do Direito. Citando o juiz federal Paulo Mário Canabarro, o ministro criticou abertamente a manipulação do clamor público para se interferir em um processo que deve ser restrito ao ambiente institucional. “Assim como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem entendido qualificar‐se como abusiva e ilegal a utilização do clamor público como fundamento da prisão preventiva, esse ilustre magistrado federal, no trabalho que venho de referir, também põe em destaque o aspecto relevantíssimo de que o processo decisório deve ocorrer em ‘ambiente institucional que valorize a racionalidade jurídica’”, reiterou o ministro. Celso de Mello disse ainda que ninguém, independente da gravidade do crime cometido, pode ser privado das garantias fundamentais do direito de defesa, independente da vontade antagônica da coletividade. “O que mais importa, neste julgamento sobre a admissibilidade dos embargos infringentes, é a preservação do compromisso institucional desta Corte Suprema com o respeito incondicional às diretrizes que pautam o ‘devido processo penal’ e que compõem, por efeito de sua natural vocação protetiva, o próprio ‘estatuto constitucional do direito de defesa’, que representa, no contexto de sua evolução histórica, uma prerrogativa inestimável de que ninguém pode ser privado, ainda que se revele antagônico o sentimento da coletividade”, assinalou em seu voto. O ministro fez uma defesa enérgica da atuação “independente e imune” do tribunal frente ao que qualificou de “indevida pressão externa”. Para o decano, embora todos os cidadãos da República tenham o direito à livre e ampla liberdade de crítica, os julgamentos pelo Poder Judiciário não podem se deixar comprometer por pressões de qualquer ordem. Reserva legal e procedimental O primeiro grande argumento do ministro para acolher a admissão dos Embargos Infringentes se embasou na conclusão de que a questão sobre a admissibilidade ou não desse tipo de recurso é de competência exclusiva da política legislativa. Celso de Mello referiu-se ao voto do ministro Teori Zavascki ao observar que compete ao Congresso Federal se pronunciar sobre o tema. “Não se presume a revogação tácita das leis”, disse criticando a ideia de que se pode subentender a revogação de uma norma mesmo que uma lei não trate de sua supressão. “Sob tal perspectiva e adstringindo-me ao atual contexto normativo ora em exame, tenho para mim [...] que ainda subsistem no âmbito do Supremo Tribunal Federal, nas Ações Penais originárias, os Embargos Infringentes que se referem o Artigo 333, Inciso 1º, do Regimento Interno da corte, que não sofreu no ponto, segundo entendo, derrogação tácita ou indireta em decorrência da superveniente edição da Lei 8038/1990,que se limitou a dispor sobre normas meramente procedimentais, concernentes às causas penais originárias”, disse. Rejeitando as conclusões no sentido de que o silêncio da lei sobre o cabimento dos infringentes era “eloquente” sobre sua inadmissibilidade, Celso de Mello disse que o silêncio é, de fato, eloquente porque foi consciente e intencional, ou seja, o legislador se absteve, de forma voluntária, de disciplinar o que já estava regulado em sede regimental. Para o ministro, o fato da Lei 8.038 não se referir ao cabimento dos infringentes, não pode, portanto, ser visto como uma lacuna normativa involuntária ou inconsciente. “ Não é um descuido ou inciência do legislador”, disse o ministro. Celso de Mello referiu-se ainda à manifestação do ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Hamilton Carvalhido, que observou que a revogação tácita de uma norma só ocorre quando a nova lei regular inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Para Celso de Mello, é falsa a ideia de que há uma hierarquia rígida entre a reserva constitucional de lei e a reserva constitucional dos regimentos dos tribunais, sendo que a primeira prevaleceria sobre segunda automaticamente. Em referência a um voto do então ministro do STF Paulo Brossard, no julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a tensão normativa entre a regra legal e o procedimento regimental, o ministro observou que não se pode afirmar sempre que a lei se sobrepõe ao regimento ou que este se sobrepõe aquela. “É preciso determinar os domínios temáticos que a Constituição traçou, estabeleceu e delineou”, disse. “Dependendo da matéria regulada, prevalece uma ou outra”, disse em referência ao voto de Brossard. Mas o argumento mais incisivo do decano a favor da admissibilidade dos recursos foi o de que cabe ao Poder Legislativo decidir, com exclusividade, sobre a extinção ou não da norma. Para demonstrar que o legislador entendeu pela manutenção do do dispositivo citado no Artigo 333 do Regimento do STF , Celso de Mello citou uma exposição de motivos encaminhada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, que resultou num projeto de lei enviado ao Parlamento e que previa mudanças no Código de Processo Civil, na Consolidação das Leis do Trabalho e na própria Lei 8038. Naquele momento, lembrou o ministro, o Executivo reconheceu que a lei de 1990 não tratou da extinção dos Embargos Infringentes nas ações penais originárias no STF, tanto que sugeriu sua supressão. A proposta foi rejeitada pela Câmara dos Deputados, que usou como base o voto do então deputado federal pelo Rio Grande do Sul Jarbas Lima, que afastou, por sua vez, a abolição e supressão dos infringentes na corte suprema por entender que esse tipo de recurso representa um “importante canal tanto para a reafirmação ou modificação" do entendimento do colegiado. Comprometimento internacional O ministro Celso de Mello também abordou a questão do comprometimento do Estado brasileiro com tratados e decisões de cortes internacionais de direitos humanos. Na semana passada, o ministro Luiz Fux havia afirmado que o Brasil, por questões de soberania, não precisava se submeter a princípios firmados por tribunais e tratados estrangeiros e que o duplo grau de jurisdição era um mito jurídico. O decano disse que, embora não exista uma relação de hierarquia entre o sistema jurídico doméstico e o âmbito das cortes internacionais, há, sim, o compromisso legal que obriga o Estado brasileiro acatar e adotar esses princípios. “Os jornais noticiaram que a República Bolivariana da Venezuela repudiou esse compromisso que assumira anteriormente, [compromisso] que o Brasil mantém íntegro”, disse. Clique aqui para ler o voto do ministro. Veja abaixo o que pode mudar com os Embargos Infringentes. Réu Embargos infringentes contra Condenação Como pode ficar José Dirceu formação de quadrilha 10 anos e 10 meses - fechado 7 anos e 11 meses - semiaberto Delúbio Soares formação de quadrilha 8 anos e 11 meses - fechado 6 anos e 8 meses - semiaberto José Genoino formação de quadrilha 6 anos e 11 meses - semiaberto 4 anos e 8 meses - semiaberto João Paulo Cunha lavagem de dinheiro 9 anos e 4 meses - fechado 6 anos e 4 meses - semiaberto Marcos Valério formação de quadrilha 40 anos e 4 meses - fechado 37 anos e 5 meses - fechado Ramon Hollerbach formação de quadrilha 29 anos e 7 meses - fechado 27 anos e 4 meses - fechado Cristiano Paz formação de quadrilha 25 anos e 11 meses - fechado 23 anos e 8 meses - fechado Kátia Rabello formação de quadrilha 16 anos e 8 meses - fechado 14 anos e 5 meses - fechado José Roberto Salgado formação de quadrilha 16 anos e 8 meses - fechado 14 anos e 5 meses - fechado João Cláudio Genu lavagem de dinheiro 4 anos - aberto absolvido Breno Fischberg lavagem de dinheiro 3 anos e 6 meses - aberto absolvido Simone Vasconcelos Pode recorrer da condenação por quadrilha, já prescrita, e conseguir redução das penas por lavagem de dinheiro e evasão de divisas 12 anos e 7 meses Pode ter a pena reduzida

REVISTA VEJA OU O MINISTRO GILMAR MENDES, OU AMBOS, FICCIONARAM.


"A função do Supremo não é política. É institucional jurídica", diz Jobim

Por Clarissa Oliveira e Vasconcelo Quadros , iG Brasília | - Atualizada às
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Ex-presidente do STF fala em entrevista ao iG dos desafios do julgamento do mensalão e sobre sua saída do governo

A poucas horas da decisão que pode mudar os rumos do mensalão, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim não quer entrar no mérito do julgamento, mas alerta para os riscos do voluntarismo judicial e diz que a Corte não pode se afastar da Constituição e nem do sistema legal.


“A função do Supremo não é uma função política. É uma função institucional jurídica”, diz Jobim em entrevista exclusiva ao IG . “Se (o STF) se afastar do sistema legal e resolver ter um voluntarismo legal, vai autorizar qualquer tipo de voluntarismo legal em qualquer lugar”, adverte.
O que é necessário saber sobre um juiz do STF, diz o ex-ministro, é o que está na Constituição: “Se ele é contrário ao texto constitucional, renuncie. Ou não vota ou renuncia”.
Jobim diz que o ministro Celso de Mello, seu vizinho de apartamento num dos prédios da Asa Sul, em Brasília, a quem caberá decidir nesta quarta-feira pelo fim do processo ou por um novo julgamento para 12 condenados do mensalão - entre eles José Dirceu - é um juiz imune a pressões.
Na entrevista em que fala sobre vários temas polêmicos, Jobim diz também que seu ex-colega de STF, Gilmar Mendes, traiu uma relação de confiança e colaborou para a publicação de uma notícia “falsa” ao confirmar para a revista Veja, em maio do ano passado, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o havia pressionado para adiar o julgamento do mensalão .
iG: Como o senhor vê o que está ocorrendo no julgamento do mensalão?
Jobim: Eu não vou opinar. Tenho posição muito clara, antiga, a respeito deste assunto.
iG: Mas o senhor chegou a ser apontado como intermediador de uma reunião entre o ex-presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes, justamente para interferir no andamento do julgamento.
Jobim: É falso, absolutamente falso. Esta versão é a versão apresentada pelo ministro Gilmar. Não é verdadeiro. Na época em que houve um café da manhã no meu escritório, Lula queria me visitar. Eu tinha saído do Ministério da Defesa na época e ele queria me fazer uma visita. E o Gilmar foi convidado para ir também. Foi uma conversa tranquila, sem nenhuma dificuldade. Eu que perguntei ao Gilmar sobre o andamento do mensalão, se ia votar ou não ia votar. Ele disse que achava melhor votar logo para resolver o assunto e foi isso. Trinta dias depois desse café da manhã é que houve essa indignação do ministro Gilmar fazendo uma versão que não era verdadeira e que, na época, eu neguei. Continuo negando.

Alan Sampaio / iG Brasília
Ex-ministro da defesa Nelson Jobim diz que nunca mais falou com Gilmar Mendes

iG: Então, a bola foi passada para o senhor?
Jobim: Aquilo tudo era falso. Aquela exaltação que foi manifestada. Curiosa exaltação. Trinta dias depois você fica furioso. A conversa não foi em nada naquele sentido. Não houve absolutamente nada daquilo. Foi uma conversa amigável. Ele não estava muito bem com um problema de perna, tinha até uma escada no escritório. Depois, eu e o ministro Gilmar ficamos conversando um pouco. E 30 dias depois é que eu recebo a notícia de uma matéria da Veja. Mandei uns SMS que eu tenho guardados ao ministro Gilmar. E ele disse que houve uma série de coisas, que ele havia conversado com A, com B, com C. E que a versão que tinha saído na Veja vinha de terceiros. E eu então disse, mas é curioso. Como assim de terceiros, se éramos só nós três? E depois disso nunca mais falei com o ministro Gilmar.
iG: Isso, então, abalou sua relação com ele.
Jobim: Desapareceu. Não falei mais, nem falarei.
iG: Independentemente do julgamento do mensalão, há uma avaliação de alguns setores de que o STF joga para a plateia. Há críticas à gestão do presidente Joaquim Barbosa. O senhor, como ex-ministro do Supremo, acha que isso contribui para uma dificuldade de relacionamento institucional?
Jobim: Eu não quero fazer nenhuma consideração sobre o julgamento do mensalão. Não me compete fazer isso. Isso é competência do Supremo. O que é fundamental é que o Supremo tem de decidir de acordo com a Constituição. O Supremo tem uma função: aplicar a Constituição e o sistema legal. Não se pode querer saber o que o juiz pensa sobre o assunto. Tem de saber o que o juiz tem de fazer sobre o assunto a partir da Constituição. Se ele é contrário ao texto constitucional, renuncie. Ou não vota ou renuncia. Agora, ir contra o texto constitucional é você subverter totalmente o sistema. A função do Supremo não é uma função política. É uma função institucional jurídica. A posição do Supremo é jurídico-política. Claro que você tem a visão dos problemas e as consequências. Mas você não pode se afastar do sistema legal. Se você se afastar do sistema legal e resolver ter um voluntarismo legal você vai autorizar qualquer tipo de voluntarismo em qualquer lugar.
iG: Quanto à interferência no Legislativo, por exemplo, o fato de o Supremo ter se posicionado sobre a cassação de parlamentares ou sobre a criação de novos partidos, são todos fatos que chamaram a atenção.
Jobim: Aquilo foi um erro. Foi um avanço. Aquela concessão de liminar (do ministro Gilmar Mendes), na minha opinião, foi um erro. Você não tem autorização no Supremo de suspender a discussão parlamentar. Absolutamente não tem. Se a lei que vier a ser produzida na discussão parlamentar for inconstitucional, aí isso vai ser votado. Nós não temos um sistema de antecipação de controle. Se uma lei, no mérito, era boa ou má, se aquela discussão era má, não cabe ao Supremo entrar nisso. O Supremo tem de decidir no final. Votou, está aprovado, aí vamos verificar se a lei é constitucional. Agora, dizer: você (o Congresso) não pode discutir esse assunto porque nós entendemos que é inconstitucional? Isso é abuso.
iG: O Supremo está extrapolando suas funções?
Jobim: Nesse caso, sim. Não é bem o Supremo. É um ministro. Depois inclusive cassaram a decisão dele.
iG: Sobre PEC 37, o senhor acredita que pode ter algum desdobramento ainda?
Jobim: À época da Constituinte, o Ministério Público queria ter poder investigatório. Não foi concedido. Houve uma discussão muito forte. Quem liderava na Câmara as discussões sobre Ministério Público era o deputado Ibsen Pinheiro, que depois veio a ser presidente da Câmara. Tentamos encontrar uma fórmula, que era a supervisão e não a investigação. Depois o Ministério Público começou a estender, no sentido de pretender ter direito à investigação. Aí vem essa PEC para definir que não deveria ter direito de investigação. Eu mesmo, no Supremo, afirmei em alguns momentos que o Ministério Público não tinha poder investigatório. O problema todo, veja, é que se quem acusa promove investigação, você cria um problema. Ministério Público acusa e defesa defende. Agora, aí o Ministério Público tem poder de investigação. Se vamos dar ao acusador poder investigatório, vamos dar à defesa poder de investigar?

Alan Sampaio / iG Brasília
Jobim diz que processo de compra de caças está paralisado

iG: Esse excesso de PICs (Processos Investigatórios Criminais) pode significar um abalo? Porque o Supremo tem hoje mais de 100 ações questionando inquéritos que o próprio Ministério Público já tocou.
Jobim: Pode acontecer. Se há vícios no inquérito, pode ter problema. Vai depender do que for adiante. Agora, veja bem, nós não podemos admitir lesões no devido processo legal sobre o argumento de que o sujeito é culpado. Isso é muito bom quando acontece com os outros. O dia em que acontecer contigo você vai ver como as coisas são diferentes. Você tem de se preservar para ter a segurança de que a presunção de inocência, que é uma regra constitucional pétrea, tem de ser mantida. Hoje, estamos naquela ideia: não presumimos inocência, condenamos o sujeito e depois queremos atropelar tudo porque já foi condenado.
iG: Vale para o mensalão também? No caso do (José) Genoino o senhor assinou um manifesto.
Jobim: No caso do Genoino, sim. Conheço o Genoino há 200 anos.
iG: E outros réus também?
Jobim: Não vou fazer menção ao mensalão. O que nós precisamos ter é a transparência do devido processo legal, com a presunção absoluta da inocência. Agora, se quiserem mudar isso, deem um golpe e estabeleçam como projeto do golpe - não militar porque os militares não vão acompanhar, civil teria de dar um golpe – para dizer: não há presunção de inocência. É presumido culpado quem é acusado. Esta regra não é a regra que nós temos.
iG: O que o senhor acha da teoria do domínio do fato?
Jobim: Não gosto. Não gosto porque, você sabe, houve em São Paulo uma coisa curiosa. Alguém me disse que apreenderam um jovem, de 18, 19 anos, que vendia esses CDs piratas, DVD pirata. E foi preso. E um promotor denunciou também a mãe. Porque o menino é quem sustentava a casa. Logo a mãe tinha domínio do fato, logo ela era culpada. Ponto. Aí você exige, por exemplo, que uma mãe ou um pai que tem um filho que mexe com drogas tenha de denunciar o filho à polícia. Isso se fazia no nazismo.
iG: O senhor, como ex-ministro da Defesa, como vê a movimentação para excluir a Boeing da concorrência para a compra de caças para a FAB, por conta das denúncias de espionagem do governo americano sobre a presidente Dilma?
Jobim: Aí está sendo politizado o problema. Está se fazendo uma espécie de retaliação. Você investigou aqui, vou retaliar aqui. A questão é que, número um, necessitamos ou não necessitamos de defesa aérea? Se respondermos sim à pergunta, a estratégia nacional de Defesa que o ministro Mangabeira (Unger) e eu fizemos, e que o presidente Lula aprovou, estabelecia que o Brasil não seria mais comprador líquido de produtos de defesa, mas seria parceiro, como fizemos a parceria com os franceses com relação à construção de um submarino nuclear com a previsão de transferência de tecnologia. Ou seja, nós queríamos aprender fazendo. E com a obrigação de transferência de tecnologia. Ocorre que a legislação americana não permite que o governo participe da transação. É a empresa que participa da transação. Agora, se a empresa promete a transferência de tecnologia e o governo americano, lá adiante, seja o Senado ou o Departamento de Estado, resolva entender que aquela transferência de tecnologia vai contra os interesses dos Estados Unidos, ele pode, pela legislação americana, mandar suspender a transferência de tecnologia. Aí surge um problema. O estado, prejudicado, pode ir contra a empresa. Agora, na legislação americana, quem responde pelos danos contratuais é o próprio governo. Ou seja, independentemente de quem fez ou não fez espionagem, se a legislação americana continua nessa modelagem, em que o governo não se compromete em assegurar a transferência de tecnologia prometida pela empresa, no caso a Boeing, como é que você vai fazer negócio? Então, vamos voltar para o modelo antigo. Vamos comprar os aviões e pronto. Comprar o mais barato etc, etc. Agora, é evidente que, se você está comprando tecnologia junto, o preço é diferente. Não é o preço de comprar uma coisa de balcão. Você está comprando um conhecimento, uma técnica, para desenvolver o país. É o que aconteceu no caso francês. O valor é alto, mas você tem um enorme desenvolvimento tecnológico. Então, não dá para misturar as coisas. Se não tivessem feito espionagem, eu compraria dos americanos, mesmo que eles pudessem no futuro trancar a tecnologia? Então, continua o mesmo.
iG: No fim das contas foi só uma justificativa para dar uma resposta aos EUA?
Jobim: Eu acho que esse processo da compra de caças está paralisado. Acho que tudo isso faz parte do discurso. Isso começou no Fernando Henrique, depois houve um momento no governo Lula com o ministro (José) Viegas, depois parou de novo, voltou quando eu assumi, acabou que escolheram três finalistas – a Boeing, o Gripen sueco da Saab e a Dassault com o Rafale. E aí você tinha o problema da transferência de tecnologia, que era a dificuldade. E os preços são diferentes.
iG: Da política, o senhor está afastado, ou ainda pensa no assunto?
Jobim: Eu estou fora. Posso participar de uma reunião aqui e acolá, participar e ajudar, mas não quero mais. Passaram trinta anos já e eu não quero mais saber disso.
iG: Olhando para trás o senhor acha que foi injusta a sua saída do ministério?

Jobim:
Como injusta?
iG: Considerando que o senhor acabou saindo em meio àquela faxina que a presidente Dilma fez. O senhor foi jogado nesse balaio?
Jobim: Não. Eu fiz críticas ao próprio governo, críticas que parecem que foram corretas. Tanto é que isso se afirmou depois. Mas o fato é que era diferente a minha relação como ministro da Defesa à época, da relação que eu tinha com o presidente Lula. Com a presidente Dilma, a relação pessoal é muito boa, excelente. Sem nenhuma dificuldade. Mas a Defesa não estava dentro do viés político do novo governo. E eu já estava cansado daquilo. Inclusive eu tinha pedido para sair em abril. Eu tinha solicitado ao ministro (Antonio) Palocci para me afastar do governo em abril. Daí me seguraram. A própria presidente fez um almoço para conversar comigo, no Palácio, e eu fiquei. Mas as coisas não se desenvolviam. Os processos. Eu havia inclusive apresentado ao governo, no início, um plano diretor preliminar para a Defesa, nos quatro anos de governo. Nunca foi apreciado. E aí eu comecei a dizer coisas que tinham de ser ditas. Foi dito, acabou
iG: E hoje o senhor acredita que o governo não dá à Defesa a atenção que deveria?
Jobim: Não sei, estou fora do governo. Estou fora da Defesa. Agora estou tratando de interesses privados. Só que o que se nota é que há uma diferença fundamental do que era o governo Lula e o que é o governo Dilma. A disfuncionalidade é enorme. É uma questão de temperamento. E você vê as dificuldades que existem no processo decisório. É difícil. Os processos são longos, difíceis. Os ministros têm receio. Mas são coisas “déjà vu”.
iG: A vida pessoal está como?
Jobim: Estou advogando. Advogando aqui em Brasília, mas fundamentalmente, em São Paulo. Vivendo bem. Não quero mais saber.