segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A VERDADEIRA IMPUNIDADE OU O RESÍDUO DA DITADURA

No curso de quase todo o século XX, era da normalidade política mundial que os ditadores protegidos pelo Tio Sam, se não falecessem no mando – casos de Antônio SALAZAR, em Portugal, e de Francisco FRANCO, na Espanha - ao serem substituídos por outros sequazes ou mesmo por um regime de feições democráticas, seguissem como se fossem pessoas ilibadas, sem responderem pela responsabilidade dos crimes cometidos por seus governos contra os direitos do homem e do cidadão; que se exemplifica nas ocorrências vividas por várias repúblicas latino-americanas.
Já ao final daquele século, a história começou a se modificar e, então, às quedas desses ditadores, passou-se à responsabilização criminal deles e de todos os que, ao ensejo desses governos, houvessem contribuído, por mera culpa ou dolo, para o cometimento daqueles delitos, imprescritíveis por consenso universal: casos de Augusto PINOCHET, no Chile; Jorge VIDELA, Emilio MASSERA, Roberto VIOLA e Leopoldo GALTIERI, na Argentina; e de Gregório ÁLVAREZ e Juan BORDABERRY, no Uruguay.
No Brasil, por virtude das celebradas cordialidade e conciliação - há mais de quatro séculos em prol sempre exclusivamente dos interesses das elites econômicas - nenhuma responsabilização criminal desses ditadores ocorreu e, até, há logradouros, edifícios e monumentos públicos com os seus nomes ou dedicados à sua memórias.
Pode parecer absurdo, mas alguns que subscreveram, com o ditador da época, o Ato Institucional n.º 5 – o edito consagrador da permissividade para os piores atos criminosos contra os direitos humanos no País – ainda hoje se gabam dessa conduta execrável que adotaram, ao invés de se verem responsabilizados judicialmente, como o caso de um que publicamente ratificou a co-autoria com a repetição da frase dita então: “Às favas os escrúpulos”; e outro que, igualmente de público, confrontou (arrostou, diria um militar de altíssima patente na época) a sociedade nacional ao afirmar que subscreveria de novo o malsinado ato hoje, se as condições de tempo e temperatura fossem as mesmas.
Essa clamorosa impunidade precisa ser suprimida, a bem da sociedade brasileira; porque, como se vê, o erro não consertado estimulou co-autores seu a se acreditarem certos e até a dele se vangloriarem, a gerar renovados germes dessa enfermidade política.
No blog de um certo Bruno Garschagen, a postagem intitulada A Transição Está Em Curso III, ao abordar e transcrever outra postagem do autodenominado intelectual Agnaldo Silva - novelista da Vênus Platinada - contém afirmações marcantes do aprendizado disseminado pela bazófia assumida publicamente pelos impunidos co-autores do Ato Institucional n.º 5, de 13/12/1968 – data da infâmia nacional - da qual se passa a excertos textuais:
“...essa gente da esquerda quer orientar ou tolher os modos de vida de cada um, permitiu que pessoas de bem como Aguinaldo se sentissem seguras para, finalmente, dizerem o que pensam, exercendo a liberdade de opinião que durante décadas foi solapada. O regime militar institucionalizou a censura pela via legal e pelo exercício da força. A violência explícita é mais fácil de combater. O inimigo tem face, nome e endereço certo. A esquerda usou a tática de incutir na cultura nacional, através da deseducação mediante o aparelhamento das escolas e universidades, a moral unívoca. Usaram direitinho a ditadura militar a seu favor. E enganaram de forma competente os brasileiros, que, horrorizados com o regime de exceção, foram levados a acreditar que os bonzinhos da história eram os representantes da esquerda. Até hoje a sociedade brasileira sofre o paradoxo de encarar ex-guerrilheiros homicidas como salvadores da pátria e militares que lutavam contra a ditadura dentro dos quartéis como facínoras (isso sem mencionar indivíduos que hoje são militares, mas que na época do regime eram crianças ou sequer eram nascidos, e não raro ouvem insultos travestidos de piadinhas sobre aquele período). As responsabilidades e crimes de cada um (militares e esquedistas) foram enterrados com a anistia,...”
“... por qual razão Aguinaldo Silva se calou antes e só agora resolveu mostrar a cara? Há duas respostas. A primeira, a dele próprio, que reproduzo: Mas por mais sangrenta que fosse a ditadura, as aflições que então sofríamos por causa disso não tinham tanto peso quanto têm as aflições de hoje, quando somos supostamente livres. É que na época os militares até podiam impor arbitrariamente sua vontade. Mas pelo menos não eram fundamentalistas, não achavam que tinham a missão divina de reorganizar e assim salvar o mundo. E agora…

(Grifos não do original).
Enfim, aí estão os fatos, diante dos quais é irrecusável perceber que o germe do golpismo e da ditadura encontra-se ainda sobrevivente, na busca e na provocação da oportunidade para se ativare em enfermidade a atingir de novo os direitos do homem e do cidadão.
O antídoto eficaz é exterminar exemplarmente esse resíduo da última enfermidade havida, com a responsabilização pessoal perante o judiciário dos restantes co-agentes da edição do A.I.5 e dos atos delituosos dele consequentes.
PCS
P.S. - 1) O aparelhamento da educação no Brasil se deu verdadeiramente ao tempo da ditadura, com a institucionalização da violação da autonomia da Universidade e a punição por meio de Comissões de Inquérito, sem asseguramento de quaisquer direitos de defesa, de professores, alunos e funcionários (suspensões, expulsões, aposentadorias compulsórias, colocação em disponibilidade, demissões), nos termos do Decreto-lei n.º 477, filiado ao famigerado A.I.5, no intuito de forçar a formação (impossível) de uma só ideologia burguesa nacional, sem qualquer contestação;
2) Fundamentalismo, como referido pelos saudosos da gloriosa, quem praticou foram exatamente os teóricos e propagandeadores da ditadura invocada - inclusive a fábrica de alienados políticos conhecida por Vênus Platinada - que a proclamavam, com todas as letras, ser a salvação do Brasil em face da ameaça do comunismo internacional e defensora perpétua dos valores da civilização cristã e da cultura ocidental (Remember: Brasil, ame-o ou deixe-o).