quinta-feira, 18 de julho de 2024

CAPÍTULO I A antiguidade greco-romana. 2. Roma - O latifúndio e a Lei Semprônia Agrária.

 

2. Roma - O latifúndio e a Lei Semprônia Agrária.

Tal como na Grécia antiga, no reino de Roma a sociedade era estruturada na posse comum da terra, por vezes dividida entre as tribos, as gens e famílias, mas não individualizadas.

É atribuída a Rômulo a primeira divisão de terras entre indivíduos, em áreas de cerca de um hectare, mantidas as terras comunais das gens.

A populus romanus, base do futuro patriciado, era constituída por três tribos, que reunidos em comício elegiam o seu rex, chefe militar, grão-sacerdote e presidente de certos tribunais, entretanto sem funções civis ou poderes que não proviessem diretamente dos seus encargos disciplinadores ou do exercício das suas atribuições judiciários. E o rex poderia ser deposto.

Tratar-se-ia, pois, de uma democracia militar, pelas palavras de Engels.6[1]

 A ordem social estruturada nas gens veio de ser extinta, possivelmente, com uma nova constituição atribuída ao rex Sérvio Túlio, baseada na divisão territorial e nas diferenças de riquezas – seis classes conforme a riqueza, todas encabeçadas por homens sujeitos ao serviço militar.7[2][3][4]

A república se iniciou em Roma com a expulsão de Tarquínio, o último rex, e a sua substituição por dois chefes militares, denominados cônsules, em conformidade com nova constituição social (Id), a se seguir sua expansão com a invasão de territórios na península itálica e norte da África.

As conquistas bélicas da República romana não só aumentaram os seus territórios, mas também acrescentaram à sua população os emigrantes dos povos submetidos, em grande parte latinos, que vieram a formar a plebe.

A terra produtiva teria então sido dividida com certo equilíbrio entre os pertencentes à populus romanus e à plebe.

Os plebeus eram livres, pagavam impostos, eram sujeitos ao serviço militar e podiam ser possuidores de terras como se fossem proprietários, contudo não integravam a populus romanus e, como tal, não poderiam exercer função pública, tomar parte nos comícios nem ser beneficiados com as terras conquistadas pelo Estado romano.

A expansão da República ensejou aos patrícios, a classe superior oriunda da populus romanus, e aos oficiais do exército romano o crescimento dos seus negócios privados com as terras produtivas conquistadas, embora essas pertencessem ao Estado; por cujo uso esses aquinhoados pagavam uma taxa ou um aluguel.

 As terras, assim entregues a Roma, formavam o ager publicus. Messias JUNQUEIRA cita SAVIGNY para a melhor compreensão da posse privada sobre as terras públicas da República romana: 

“Nesses tempos recuados da expansão romana, posse é pura e simplesmente ocupação e utilização de terras públicas. Ao lado do direito de propriedade, organizado pela regra jurídica aplicável aos cidadãos romanos, produzia-se alguma cousa análoga e equivalente na prática, isto é, um direito positivo e exclusivo de uma pessoa ao uso e gozo de uma cousa. (Savigny)”.8[5] 

O mencionado agrarista, ainda sobre esse tema específico, cita também MAYNZ:

“... O solo romano se compunha de domínio público e de propriedades privadas: ager publicus e ager privatus. Só este último podia pertencer, com o caráter de propriedade, aos cidadãos. Quanto ao primeiro, abstração feita das terras destinadas ao uso comum, os particulares podiam ocupá-lo, cultivá-lo e aproveitá-lo. Tal ocupação não lhes dava a propriedade, não lhes dando, destarte, as ações reais protetoras da propriedade. Cumpria, pois, organizar-se outro meio jurídico para, especificamente, resguardar essa ocupação, das agressões arbitrárias. Tal meio foi a instituição dos interditos possessórios, que, desenvolvida pela prática, foi depois aplicada a toda e qualquer dominação sobre a coisa, desde que tal dominação não tivesse o caráter de propriedade. Enfim, quando todo o domínio público já se havia transmudado em propriedade privada, o sistema de posse havia adquirido o caráter de generalidade, que se vê na legislação de Justiniano (Maynz).”9[6] 

Entretanto, muitos possuidores em Roma usurpavam as terras cedidas a outros agricultores, formando as suas posses grandes áreas, a diminuírem ou extinguirem a posse dos usurpados.

 As grandes áreas eram trabalhadas principalmente com a mão de obra escrava e de pequenos agricultores livres, possuidores de terras insuficientes à produção da própria subsistência.

A mão de obra escrava era obtida mediante a submissão dos povos conquistados pelas guerras.

Dentre os grandes detentores de terras, havia plebeus enriquecidos com o comércio e a gestão de negócios públicos, desde construção e administração de obras até a cobrança de impostos.

Nessa época, a República Romana não geria diretamente os serviços públicos e atribuía a cobrança de impostos a pessoas privadas, os publicanos, que adiantavam ao Estado uma arrecadação supostamente previsível.

Os pequenos agricultores livres, ante as provações crescentes na vida do campo, deslocavam-se para as cidades e, aí, compunham massas de artesãos e desocupados.

Assim descortinou-se o elo do latifúndio com o escravismo na República de Roma: 

“En Roma empleabase en grandes proporciones el trabajo de los esclavos para la agricultura. La nobleza romana poseía grandes extensiones de tierras, los latifúndios, en que trabajavan cientos  y miles de esclavos. Estos latifúndios se formaron mediante la usurpasión de las tierras de los campesinos y de las tierras públicas pertenecientes al Estado.[7](10) 

A classe dos patrícios extinguiu-se com a nova classe dos proprietários de dinheiro e terras, que absorveram gradativamente as terras produtivas dos camponeses empobrecidos pelo serviço militar as quais, transformadas em imensos latifúndios, passaram a ser cultivadas com a mão de obra escrava.(11)

Na Roma republicana já ocorriam o latifúndio e o minifúndio, a exigirem reforma agrária.

Messias JUNQUEIRA assinala que houve quase uma centena de leis formadoras de núcleos agrícolas, com distribuição de terras a veteranos e civis romanos, às quais historiadores e juristas dão o nome de leis agrárias, tendo sido a primeira delas a promulgada no consulado de Spurius Cassius, no ano 486 a.C., e a última a Lei Júlia Agrária Campana, do ano 61, no primeiro consulado de Júlio César, pela qual foram distribuídas terras na fértil Campânia, incorporadas na segunda guerra púnica, a 20.000 chefes de família pobres e a veteranos de guerra com três filhos ao menos.

“Todavia, nenhuma dessas leis agrárias teve o intuito de atingir o patrimônio particular dos cidadãos, atentando contra o seu direito de propriedade. (Accarias)”12[8]

A maior parte de tais leis agrárias tinha por escopo meras distribuições de terras públicas; no entanto, sobressaiu delas a Lei Licínia Agrária, do ano 367 a.C., por objetivar a arrecadação de fundos para as tropas romanas e a formação de uma classe média rural, cujos dispositivos foram renovados nos anos 133 a.C. e 123 a.C., pelos irmãos Graco, com a Lei Sempronia Agrária.

A ascensão social dos plebeus enriquecidos causou o reconhecimento deles com o epíteto de “cavaleiros”, a quem eram deferidos na prática direitos e vantagens que não cabiam ao comum do povo.

A insatisfação dos patrícios com a ascensão social dos “cavaleiros”, refletida em grande parte do Senado, agregou-se às crises já originadas por rebeliões dos escravos e escassez de alimentos para as populações indigentes urbanas.

Ante essas condições, criou-se junto ao Senado o cargo de Tribuno do Povo, inclusive com função de veto sobre decisões adotadas contra os interesses dos seus representados.

Messias JUNQUEIRA cita Niebhurem, ao afirmar que a Lei Licínia foi realmente uma Lei Agrária, porque teria determinado a fixação de um teto para a ocupação de terras públicas, e considera que essa lei, proposta pelos tribunos da plebe Licínio Stolon e Lúcio Sextio,13[9]era juridicamente fundada frente à doutrina da imprescritibilidade das terras públicas, pela qual , segundo a tradição:  

“Nenhum cidadão poderá possuir mais de 500 jeiras (125 ha) de terras públicas. Ninguém conservará nas pastagens públicas mais de 100 cabeças de gado de grande porte e 500 cabeças de gado de pequeno porte. Das terras restituídas ao Estado tomar-se-á o bastante para distribuir a cada cidadão pobre, 7 jeiras (1 há, 74 a). Os que continuarem ocupando terras públicas, recolherão ao Tesouro Público 1/10 do produto da terra, 1/5 do fruto das oliveiras e da vinha, e a contribuição devida para cada cabeça de gado.  De 5 em 5 anos tais contribuições serão adjudicadas pelos censores aos contratadores de rendas, que melhor oferta fizerem, aplicada essa arrecadação no soldo das tropas. Cada proprietário será obrigado a empregar em suas terras certo número de trabalhadores livres, proporcionalmente à extensão dos seus domínios. (Victor Duruy)” 14[10]  

Tratava-se de uma espécie de arrendamento “ad perpetuum”, ou “longum tempus”, com pagamento de pensão anual, que Justiniano definiu ser um negócio “sui generis”, situação jurídica peculiar, a enfiteuse, pela qual o domínio pleno é partilhado em dois simultâneos: a) o domínio nu, ou direto, pertencente ao proprietário; e b) o domínio útil, o do enfiteuta. 15[11]

Essas terras públicas tinham sido devolvidas ao Estado quando do fim da II Guerra Púnica, contra Cartago, cidade-estado fenícia.

Tibério Graco, mesmo de origem patrícia (segundo alguns pesquisadores seria um cavaleiro), ao ser eleito Tribuno da Plebe em 133 a.C., propôs uma lei de reforma agrária, considerada uma reformulação da Lei Licínia suavizada, que visava a redistribuição por locação em áreas menores das terras públicas, então cedidas aos patrícios e cavaleiros, formadoras de latifúndios, dadas em arrendamento “ad perpetuum”.  

“Os problemas que Tibério Graco tencionava solucionar eram exatamente aqueles que não escaparam a antevisão de Licínio: o ager publicus açambarcado pelos usurpadores; a plebe rural dizimada pela guerra; o trabalho servil substituindo o trabalho livre e a Itália despovoando-se nos imensos latifúndios, que, do ponto de vista, agrícola, acabariam por perde-la, na conhecida afirmativa de Plínio.”16[12][13]

A proposta de reforma agrária apresentada por Tibério Graco, membro da gens Semprônia, somente veio a se tornar a Lei Semprônia Agrária (133 a.C.) depois de destituído por plebiscito o outro tribuno do povo, Cneo Octávio, que se opusera à propositura ao proposto por veto constitucionalmente insuperável; cuja destituição gerou consequencia fatal a Tibério ao final do seu mandato.

Constavam da proposta da Lei Semprônia, submetida a comícios populares:  

”I.º- que todas as terras públicas, ilegalmente ocupadas, sejam retomadas; II.º - que se conceda aos detentores de terras delas desapossados , indenização em razão das benfeitorias úteis; III.º - que cada ocupante possa conservar 500 jeiras (o máximo da Lei Licínia) concedendo-se, além disso, a cada filho do ocupante, 250 jeiras, sem que, em caso algum, a concessão total  ultrapasse de 1.000 jeiras (250 ha); IV.º - que as terras retomadas sejam divididas em lotes de 30 jeiras (7 ha e 49 a), e os lotes distribuídos, mediante sorteio, entre cidadãos romanos e aliados itálicos, não a título de propriedade, mas de concessão perpétua, transmissível hereditariamente, sob o único encargo de mantê-los em bom estado de cultivo. Os lotes serão gravados de inalienabilidade.(*) Dispositivos acessórios organisarão o processo de execução. Triúnviros, eleitos anualmente pelo povo, deverão encarregar-se das operações de retomada e partilha, bem como da delimitação entre o domínio do Estado e as propriedades particulares; V.º - Que cada proprietário rural se obrigue a empregar em suas lavouras, determinado número de trabalhadores de condição livre; VI.º - Que a ninguém seja lícito manter nas pastagens públicas, mais de 100 cabeças de animais de grande porte ou mais de 500 cabeças de animais de pequeno porte” (Ernest Moullé)17[14][15]

Na aprovação da Lei Semprônia, foi suprimido o dispositivo de indenização das benfeitorias úteis constituídas nas áreas retomadas aos antigos ocupantes, não constante da Lei Licínia, mas prevista no projeto apresentado por Tibério Graco.18[16]

Para a aplicação da Lei Semprônia instituiu-se uma Comissão, liderada pelo próprio Tibério Graco.

Ainda que contasse com o apoio de um dos Cônsules, sogro de Tibério, a Lei Semprônia foi violentamente atacada pelos patrícios liderados por Cipião Emiliano, primo e cunhado de Tibério, e impedida de aplicação por haver o Senado negado à sua Comissão os recursos financeiros necessários. (19)

À vista da possibilidade de revogação da lei de reforma agrária, Tibério Graco lançou-se à reeleição do cargo de Tribuno do Povo e, por isso, foi acusado pelos conservadores de pretender ser tirano, atentar contra a República. (Id.)

Antes de se iniciar a eleição, um grupo de senadores e seus adeptos promoveram tumultos no intento de se opor à Assembléia Popular, terminando com a morte por espancamento de Tibério Graco e de cerca de 300 (trezentos) dos seus seguidores.(20)[17][18]

A Lei Semprônia de reforma agrária não foi revogada, em que pese o assassinato de Tibério (133), e a Comissão de Terras encontrou apoio entre conservadores, que teriam querido demonstrar ao povo não serem contra a lei, mas contra o modo político de Tibério agir.21

A atividade da Comissão de Terras teria detido o declínio dos pequenos camponeses por algum tempo.

Em 123 a.C., Caio Graco, irmão de Tibério, então Tribuno da Plebe, buscou radicalizar a ação da Comissão de Terras da qual era integrante e teria obtido mais êxito do que o seu irmão.22

Caio Graco, com a confirmação da lei de reforma agrária, promoveu a colonização de terras com pobres romanos desabrigados em diversos lugares da península itálica e na primeira colônia ultramarina romana, Cartago.Id.

Embora mais popular do que o seu irmão o foi, Caio Graco não conseguiu o terceiro mandato de Tribuno da Plebe, frente à grande oposição dos conservadores.

Ao fim, a colonização de terras em Cartago foi interrompida, o Senado declarou estado de emergência e levantou uma revolta contra Caio Graco, em cujo tumulto o tribuno veio a falecer, possivelmente assassinado como o irmão, embora historicamente seja admitido o suicídio. 23[19]  

“E no início da jornada da transformação de Roma de uma República para o Império estavam os irmãos Graco e suas reformas agrárias. Os dois irmãos deixaram uma marca indelével na história da república...”Id.  

Consta historicamente que “A queda do Império Romano, no ano 476 da nossa civilização, veio encontrar em seu apogeu, o regime dos latifúndios romanos.” 24[20][21]

 

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(6) Friedrich ENGELS, op. cit., p. 119.

(7) Messias JUNQUEIRA, Terras Devolutas na Reforma Agrária, 1964, S. Paulo, ps. 12/3.

 (8)Messias JUNQUEIRA, op. cit., p. 12.

 (9) Id., ps. 12/3.

 (10)

(11)

(12) Apud Messias JUNQUEIRA, op. cit., p....

 (13) Id., p.15.

(14) Ib., ps. 14/15.

(15)Eduardo SANTOS, Quais foram as sanções políticas dos irmãos Graco e suas consequências para a República Romana, <www.pt.quora.com>

(16)Messias JUNQUEIRA, op. cit., p.20.

 (17) ...

 (18) ...

(19) ...

 (20) Apud Eduardo SANTOS, jurista, “Quais foram as ações políticas dos irmãos Gracco e suas consequências para a República romana”,inwww.pt.quora.com

(21) Apud Eduardo SANTOS, idem.

(22) Messias JUNQUEIRA, idem, ps. 27/30.

  (23) Eduardo SANTOS, idem.

 (24) Frideriech ENGELS, op. cit. p.119.

 

 

 

CAPÍTULO I A antiguidade greco-romana. 1. Grécia – A propriedade comunitária e o surgimento da propriedade privada. (Revisto).

 

CAPÍTULO I

A antiguidade greco-romana. 

1.                Grécia – A propriedade comunitária e o surgimento da propriedade privada.

ENGELS cita a História da Grécia, de Grote, para descrever dez elementos característicos que uniam a gens ateniense, entre os quais menciona “a posse, em certos casos, de uma propriedade comum, com um arconte (magistrado) e tesoureiro próprio” .1[1]

No início, os povos originais da Grécia tinham organização comunitária, como Assinalado por Max BEER:

“Estes dois povos ocupam um posto de destaque nos anais do socialismo. Os espartanos, em geral os dóricos, foram os praticantes, assim como os atenienses, e em geral os jônicos foram os teorizantes, do comunismo e do regime econômico igualitário.” 2

Com a expansão da propriedade privada, das cidades, das guerras e da colonização, que trouxeram novas riquezas e novos hábitos, aparecem a opressão dos ricos e a injustiça crescente quando, por cerca do século 700 a.C., surgiram as leis de Licurgo, considerado grande líder e legislador, objeto de elogio por Max BEER – “O primeiro legislador a quem a tradição atribui a obra da revolução comunista” – e de relevante referência por Plutarco:

“A... instituição de Licurgo, talvez a mais ousada, foi a repartição das terras. Reinava naquela época em Esparta uma desigualdade extraordinária. Achava-se a cargo do Estado uma multidão de homens pobres, enquanto as riquezas afluíam a um exíguo número de famílias, o que suscitava a arrogância, a inveja, a fraude e a prodigalidade. Com o objetivo de suprimir completamente todos esses males e ainda outros muito mais graves que o Estado sofria como conseqüência da riqueza e da pobreza, Licurgo persuadiu os cidadãos a que entregassem suas terras à coletividade, e repartissem de novo entre eles e vivessem juntos em uma igualdade e em uma comunidade de bens absolutos, de modo a que não buscassem outra vantagem que não a virtude, e que não existissem outras desigualdades e diferenças exceto as que implicam os elogios pelas boas ações e as reprimendas pelas más.” 3[2] 

Pelas leis de Licurgo, as terras nas cercanias de Esparta foram divididas em 9 mil partes e foram adotadas medidas que restringiram a economia monetária. Idem

Os sinais da decadência da organização gentílica principiaram a ocorrer na época heróica grega, quando a Ilíada e a Odisséia foram definitivamente redigidas, com o direito paterno de herança; a acumulação de riquezas na família; os rudimentos de uma nobreza hereditária e a monarquia; a escravidão não só dos prisioneiros de guerra, mas até de membros da própria gens; o enriquecimento regular por guerras sistemáticas entre tribos, na busca de capturar terras, gados, escravos e outros bens.

As guerras e a intensificação do comércio e da navegação, contribuíram para a divisão da sociedade em classes já no no século VI a.C., pelo que resumiu ENGELS que a constituição gentílica foi pervertida para se permitir a acumulação de riquezas pelo roubo e pela violência, ao que somente faltava uma instituição para assegurar as novas riquezas individuais contra as tradições comunitárias gentílicas e perpetuar o direito da classe possuidora de explorar a não possuidora e o domínio da primeira sobre a segunda, e rematou:

“ Essa instituição nasceu. Inventou-se o Estado”. 4[3]

Por essa época, os atenienses, que habitavam a Ática, assumiam crescentemente a exploração do comércio marítimo no Mar Egeu, no lugar dos fenícios, e a terra já se encontrava repartida em propriedades privadas, cujas compras e vendas e a gradativa divisão do trabalho entre a agricultura e os ofícios manuais, comércio e navegação causaram a confusão entre os membros das gens, fratarias e tribos. 

O surgimento da propriedade privada dos rebanhos e dos objetos de luxo trouxe o comércio individual e a transformação dos produtos em mercadorias, inclusive com a distribuição das terras conquistadas aos vencidos nas guerras travadas, a originarem o cultivo individual da terra e, em seguida, a propriedade individual do solo. Os pequenos agricultores da Ática, sem a proteção dos laços que as gens lhe proporcionavam, ficaram a mercê dos possuidores de dinheiro, mediante o crédito e a hipoteca das suas terras, levando-os à ruína. 5[4]

Com o desenvolvimento do capital comercial, Atenas transformou-se de estado agrícola em uma potência marítima, passando a depender do trigo transportado desde o norte do Mar Negro e outras regiões, conforme repertoriado em por MAYER: 

“Os grandes proprietários se converteram em capitalistas e viveram de suas rendas daí por diante, confiando os seus empreendimentos agrícolas a administradores que trabalhavam com a ajuda de escravos.” 6

Registra Malta CARDOSO que: 

 “A Grécia conheceu os primeiros percalços da propriedade privada, pelo exacerbamento injusto de seu egoísmo funcional. De um lado as conquistas levaram à escravização, povos inteiros, de outro, a contingência das explorações agrícolas de um lado, o advento e o desenvolvimento do comércio, principalmente do dinheiro começaram pelo regime das hipotecas (grandes pedras que marcavam as propriedades rurais dadas em garantia aos credores por seus donos) e de suas execuções, a conduzir a propriedade privada para as primeiras concentrações anti-sociais.”7[5]

                Malta CARDOSO também assinalou que Bernardino C. Horne teria consignado, in “Política Agrária y Regulación Economica”, que: 

“Solón, condonó las deudas hipotecarias y ordenó uma distribuición da la tierra ... Le recuerda que la decadência de Esparta se inició cuando Epidateo dispusó que todo ciudadano podia disponer libremente de sus tierras.”8 

Pinto FERREIRA, em adensado resumo, dissertou sobre a questão agrária na Grécia antiga:

“Os trabalhadores livres então tiveram de lutar simultaneamente contra o capitalismo e contra a concorrência do trabalho escravo. A propriedade agrária se concentrou. J. Toutain estudou esse problema. A princípio a propriedade rural, na Tessália, na Grande Grécia, na Ática, na Élida, estava bem dividida. A maioria dos imóveis rurais tinha uma extensão de 6 a 50 hectares; eram propriedades médias, existindo também um sem-número de pequenas propriedades, abaixo de 6 hectares. Era uma exceção o latifúndio de Fenipo, na Ática, com 300 hectares. A situação se repetia nas ilhas do Mar Egeu, como Tenos e Quios, nas cidades da Grécia asiática, em Hilicarnasso e Iasos: a terra estava dividida em pequenos lotes. Aristóteles dizia que ninguém era miserável. Exceto os ecravos, acrescentamos. Depois essa situação muda profundamente, com o advento do latifúndio, com o desenvolvimento do capitalismo e da escravidão.” 9 

Desde a Grécia antiga, a detenção privada do bem primário de produção por excelência, gerando o latifúndio, aparece na história como causa essencial da questão agrária.



(1)    (1) Friedrich ENGELS, A origem da família, da propriedade privada e do Estado, Edit. Vitória Ltda., 1964, Rio de Janeiro, p. 81.

(2)     (2) Apud Pinto FERREIRA, Curso de Direito Agrário, Editora Saraiva, 1994, os. 35-36.

 (3) Apud Pinto FERREIRA, idem, p.39.

 (4) Friedrich ENGELS, op. cit., p. 89.

(5) Id., 89/91.

(6) História da Antiguidade, apud Pinto FERREIRA, op. cit., p. 41.

(7) Malta CARDOSO, Tratado de Terras do Brasil, 2.º vol – Parte Geral, Edit. Saraiva, 1954, S. Paulo ps. 263/264.

(8) Ap. Malta CARDOSO,op.cit,, p. 264.

(9) Pinto FERREIRA, op. cit., p. 41.