CAPÍTULO I
A antiguidade greco-romana.
1.
Grécia
– A propriedade comunitária e o surgimento da propriedade privada.
ENGELS cita a História
da Grécia, de Grote, para descrever dez elementos característicos que uniam a
gens ateniense, entre os quais menciona “a posse, em certos casos, de uma
propriedade comum, com um arconte (magistrado) e tesoureiro próprio” .1[1]
No início, os povos originais
da Grécia tinham organização comunitária, como Assinalado por Max BEER:
“Estes dois povos ocupam um posto de
destaque nos anais do socialismo. Os espartanos, em geral os dóricos, foram os
praticantes, assim como os atenienses, e em geral os jônicos foram os teorizantes,
do comunismo e do regime econômico igualitário.” 2
Com a expansão da propriedade privada, das cidades, das guerras e da
colonização, que trouxeram novas riquezas e novos hábitos, aparecem a opressão
dos ricos e a injustiça crescente quando, por cerca do século 700 a.C.,
surgiram as leis de Licurgo, considerado grande líder e legislador, objeto de
elogio por Max BEER – “O primeiro legislador a quem a tradição atribui a obra
da revolução comunista” – e de relevante referência por Plutarco:
“A... instituição de Licurgo, talvez a mais ousada, foi a repartição das terras. Reinava naquela época em Esparta uma desigualdade extraordinária. Achava-se a cargo do Estado uma multidão de homens pobres, enquanto as riquezas afluíam a um exíguo número de famílias, o que suscitava a arrogância, a inveja, a fraude e a prodigalidade. Com o objetivo de suprimir completamente todos esses males e ainda outros muito mais graves que o Estado sofria como conseqüência da riqueza e da pobreza, Licurgo persuadiu os cidadãos a que entregassem suas terras à coletividade, e repartissem de novo entre eles e vivessem juntos em uma igualdade e em uma comunidade de bens absolutos, de modo a que não buscassem outra vantagem que não a virtude, e que não existissem outras desigualdades e diferenças exceto as que implicam os elogios pelas boas ações e as reprimendas pelas más.” 3[2]
Pelas leis de Licurgo, as terras nas cercanias de Esparta foram divididas
em 9 mil partes e foram adotadas medidas que restringiram a economia monetária.
Idem
Os sinais da decadência da organização gentílica principiaram a ocorrer
na época heróica grega, quando a Ilíada e a Odisséia foram definitivamente
redigidas, com o direito paterno de herança; a acumulação de riquezas na
família; os rudimentos de uma nobreza hereditária e a monarquia; a escravidão
não só dos prisioneiros de guerra, mas até de membros da própria gens; o
enriquecimento regular por guerras sistemáticas entre tribos, na busca de
capturar terras, gados, escravos e outros bens.
As guerras e a
intensificação do comércio e da navegação, contribuíram para a divisão da
sociedade em classes já no no século VI a.C., pelo que resumiu ENGELS que a
constituição gentílica foi pervertida para se permitir a acumulação de riquezas
pelo roubo e pela violência, ao que somente faltava uma instituição para
assegurar as novas riquezas individuais contra as tradições comunitárias
gentílicas e perpetuar o direito da classe possuidora de explorar a não
possuidora e o domínio da primeira sobre a segunda, e rematou:
“ Essa instituição
nasceu. Inventou-se o Estado”. 4[3]
Por essa época, os atenienses, que habitavam a Ática, assumiam
crescentemente a exploração do comércio marítimo no Mar Egeu, no lugar dos
fenícios, e a terra já se encontrava repartida em propriedades privadas, cujas
compras e vendas e a gradativa divisão do trabalho entre a agricultura e os
ofícios manuais, comércio e navegação causaram a confusão entre os membros das gens,
fratarias e tribos.
O surgimento da propriedade privada dos rebanhos e dos objetos de luxo
trouxe o comércio individual e a transformação dos produtos em mercadorias,
inclusive com a distribuição das terras conquistadas aos vencidos nas guerras
travadas, a originarem o cultivo individual da terra e, em seguida, a
propriedade individual do solo. Os pequenos agricultores da Ática, sem a
proteção dos laços que as gens lhe proporcionavam, ficaram a mercê dos
possuidores de dinheiro, mediante o crédito e a hipoteca das suas terras,
levando-os à ruína. 5[4]
Com o desenvolvimento do capital comercial, Atenas transformou-se de estado agrícola em uma potência marítima, passando a depender do trigo transportado desde o norte do Mar Negro e outras regiões, conforme repertoriado em por MAYER:
“Os
grandes proprietários se converteram em capitalistas e viveram de suas rendas
daí por diante, confiando os seus empreendimentos agrícolas a administradores
que trabalhavam com a ajuda de escravos.” 6
Registra Malta CARDOSO que:
“A Grécia conheceu os primeiros percalços da
propriedade privada, pelo exacerbamento injusto de seu egoísmo funcional. De um
lado as conquistas levaram à escravização, povos inteiros, de outro, a
contingência das explorações agrícolas de um lado, o advento e o
desenvolvimento do comércio, principalmente do dinheiro começaram pelo regime
das hipotecas (grandes pedras que marcavam as propriedades rurais dadas em garantia
aos credores por seus donos) e de suas execuções, a conduzir a propriedade
privada para as primeiras concentrações anti-sociais.”7[5]
“Solón, condonó las deudas hipotecarias y ordenó uma distribuición da la tierra ... Le recuerda que la decadência de Esparta se inició cuando Epidateo dispusó que todo ciudadano podia disponer libremente de sus tierras.”8
Pinto FERREIRA, em adensado resumo, dissertou sobre a questão agrária na
Grécia antiga:
“Os trabalhadores livres então tiveram de lutar simultaneamente contra o
capitalismo e contra a concorrência do trabalho escravo. A propriedade agrária
se concentrou. J. Toutain estudou esse problema. A princípio a propriedade
rural, na Tessália, na Grande Grécia, na Ática, na Élida, estava bem dividida.
A maioria dos imóveis rurais tinha uma extensão de 6 a 50 hectares; eram
propriedades médias, existindo também um sem-número de pequenas propriedades,
abaixo de 6 hectares. Era uma exceção o latifúndio de Fenipo, na Ática, com 300
hectares. A situação se repetia nas ilhas do Mar Egeu, como Tenos e Quios, nas
cidades da Grécia asiática, em Hilicarnasso e Iasos: a terra estava dividida em
pequenos lotes. Aristóteles dizia que ninguém era miserável. Exceto os ecravos,
acrescentamos. Depois essa situação muda profundamente, com o advento do latifúndio,
com o desenvolvimento do capitalismo e da escravidão.” 9
Desde a Grécia antiga, a detenção privada do bem primário de produção por
excelência, gerando o latifúndio, aparece na história como causa essencial da
questão agrária.
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