quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A APLICAÇÃO DO DIREITO RESPEITANTE AOS COSTUMES DOS KAIOWA E ÑANDÉVA.

Ao final do ano recém findo, tive a oportunidade de ler parte de um documento produzido a partir do trabalho encetado, a partir de 2005, no "Comitê Gestor de Políticas Indigenistas Para o Sul do Mato Grosso", com a diretriz de compreender a organização social, o modus vivendi e os interesses efetivos individuais e familiares dos dos Guaranís Kaiowa e Ñandéva, mediante contato direto com esses indígenas em reuniões coletivas (aty guasu = grande assembléia) em cada área comunitária, inclusive intercomunitárias.
O trabalho do mencionado Comitê Gestor foi coordenado pela indigenista ROSÂNGELA CARVALHO - do Ministério do Desenvolvimento Social - e com a participação das assistentes sociais MARGARIDA NICOLETTI, MARISTELA FARIAS e LIZANDRA SHUAIGA, do advogado JORDASHY OHIRA e da antropóloga ALEXANDRA BRABOSA DA SILVA, e o documento sobre ele produzido, com mais de um autor, deverá ser publicado ainda no correr do presente trimestre, provavelmente com o livro tendo por título OS DESAFIOS ENFRENTADOS PARA O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS KAIOWA E ÑANDÉVA.
Da parte lida do futuro livro, ressaltou-se-me a significativa preocupação com “... o despreparo de muitas das instituições que atuam diretamente com as crianças indígenas, sobretudo dos operadores do Direito, ao interpretar a legislação, não respeitando as especifidades das comunidades tradicionais”.
Histórica e moralmente, as instituições formais do estado brasileiro têm o dever de reconhecer e respeitar os usos e costumes diferenciados dos povos indígenas, que são parte integrativa (integrante + ativa) de um dos elementos essenciais de constituição do próprio estado.
A contemporaneidade repele o trato institucional com os povos indígenas como ao tempo dos colonizadores ibéricos, quando se impunha à outrance os conceitos e ações eurocêntricos, devastadores dos usos e costumes - tradições - que a si eram estranhos.
No hodierno, no trato geral das relações sociais e jurídicas, tem-se avançado bem institucionalmente quanto à questão do respeito à diversidade moral, religiosa e de costumes expressada pelas comunidades minoritárias da sociedade brasileira.
É, assim, sobremodo estranhável o diagnóstico de “... total desconhecimento das especificidades culturais desses indígenas e, ao mesmo tempo, da legislação indigenista, ...” pelos agentes públicos com poderes “... de retiradas de crianças indígenas do seio do seu grupo social com consequente alocação em instituições de abrigo e/ou disponibilizadas para adoção por não indígenas e mesmo estrangeiros” , cuja gerência de destinos tem sido “interferência extremamente maléfica” a ameaçar a segurança de vida dessas crianças, além de ofender direitos indígenas assentados nos seus costumes - direito consuetudinário – e nos preceitos legais nacionais e internacionais, pelas palavras dos autores do documento.
Exsurge dos trabalhos contidos nessa obra a necessidade urgente de as principais instituições jurídicas públicas brasileiras, desde o Conselho Nacional da Justiça,o Ministério da Justiça e a Advocacia Geral da União, comandarem ações imediatas para que os agentes que tratam diretamente das questões indígenas aqui abordadas venham a ser devidamente formados para a aplicação adequada do direito nos casos sob as suas jurisdições, ensejando-se a realização da verdadeira Justiça, objetivo supremo da ciência jurídica.
Para superação, desde já, da má aplicação do direito no trato das questões indígenas abordadas no documento enfocado, convém a esses aplicadores passarem a considerar, de logo, as lições de CARLOS MAXIMILIANO, que: a) propugna ao intérprete desempenhar o seu papel de renovador consciente, adaptador das fórmulas vetustas às contingências da hora presente, com utilizar todos os valores jurídico-sociais – verdadeiro sociólogo do Direito, e b) adverte ter tido sempre força de lei os costumes, considerados pela ciência moderna fonte viva, a mais rica e importante, do Direito Objetivo.
 PCS