CAPÍTULO II
O feudalismo.
1.
A
permanência da propriedade comunitária no País de Gales e na Irlanda.
Nos latifúndios romanos – latifundia – havia dois modos de
exploração da terra com mão de obra
escrava:
a) O modo que empregava pouca mão de obra, com a criação de gado ovino ou
vacum; e
b) O modo que empregava grande utilização de mão de obra, com
horticultura de grande escala em fazendas, para provimento dos mercados das
cidades.
Com a decadência das cidades e o empobrecimento dos latifundiários, a
exploração de grandes áreas de terras foi à ruína por completo e a única forma
compensadora de agricultura passou a ser o retorno ao cultivo em pequenas
fazendas.
As pequenas fazendas, resultado da divisão física dos latifúndios,
passaram a ser exploradas em parceria, cujos parceiros trabalhadores (partiarii)
recebiam por uma remuneração variável de um sexto a um nono da produção anual,
ou mediante uma espécie de arrendamento, pelo qual os arrendatários pagavam aos
senhores da terra uma quantia anual fixa em dinheiro.
Em qualquer dessas espécies, os parceiros e os
arrendatários, embora não fossem escravos, ficavam vinculados à terra, o que
lhes obrigava a permanecerem na gleba perpetuamente, ainda que ela viesse a ser
transferida a outro titular.1[1]
Com a extinção do Império romano, os germanos lhe tomaram a maioria das
terras e as dividiram comunitariamente, uma parte com todo o povo e a outra
parte entre as diversas tribos e gens.
Os bosques e os pastos ficaram indivisos, para uso coletivo, e os campos
agricultáveis foram divididos por sorteio, dentro das gens, entre os
lares, famílias.
Com o tempo, a confusão entre germanos e romanos prejudicou a organização
gentílica, a favorecer a transformação das gens germânicas em órgãos
estatais.
O primeiro rei franco, ao se converter de chefe militar em soberano,
apropriou-se das propriedades do povo para transformá-las em domínio real para,
em seguida, concedê-las em feudo a pessoas do seu séquito.
“E,
dessa maneira, assentaram-se as bases de uma nova nobreza, às expensas do povo.”
.....................................................................................................................................................................................
“Os
camponeses livres donos de terras, que eram a massa do povo franco, foram
arruinados e reduzidos à penúria pelas constantes guerras civis e,
principalmente no reino de Carlos Magno, pelas de conquistas, como acontecera
com aos camponeses romanos, em fins do período republicano”.2[2]
Fiados na promessa de terem proteção ante as atribulações das guerras e
dos saques, esses camponeses procederam como haviam feito os da Gália,
transferindo a propriedade das suas terras ao seu patrão, o senhor feudal, de
quem tornavam a recebê-la em arrendamento vitalício, em troca de prestação de
serviços e pagamento de tributos, e caíram na servidão ao cabo de algumas
gerações. Id.
A história conhecida através das leis célticas
demonstra que ainda no século XI, antes da conquista inglesa, permanecia no
País de Gales vestígio do costume gentílico do cultivo em comum das terras por
comunidades inteiras, com repartição da colheita resultante. Nesse sistema,
cada família da gens teria direito a cinco acres (dois hectares e
fração) para o seu cultivo particular.3[3]
Aponta-se que, de
conformidade com livros de jurisconsultos ingleses visitantes da Irlanda no
século XVII, essas terras ainda eram de propriedade coletiva, exceto as que
haviam sido convertidas em propriedade pessoal dos chefes, e eram
redistribuídas com outras famílias gentílicas quando se extinguia uma célula
econômica doméstica por morte de um membro da gens.
Os camponeses
irlandeses, com a usurpação pelos ingleses, passaram a pagar aos usurpadores
arrendamento pela exploração individual das terras que foram de propriedade
comunitária Id.
2.
A
propriedade feudal e a servidão.
A
propriedade feudal tinha um senhor, que poderia ser um rei, um príncipe, um
conde ou outro aristocrata de grandes posses. Era o senhor feudal.
O
proprietário feudal poderia arrendar as suas terras para exploração a outro
senhor, normalmente nobre, e esse a outro, e o outro a outro, assim
sucessivamente; no entanto, quem trabalhava diretamente a terra era apenas o
último arrendatário, o trabalhador rural, o servo da gleba.
O senhor
feudal poderia possuir mais de um feudo e assim ter mais de um castelo, todos
fortificados, e as pessoas que lhe serviam eram seus vassalos, inclusive com a
obrigação de se arregimentarem em seu favor nas guerras que viessem a travar,
como os aldeões e os trabalhadores rurais nas suas terras, os servos.
Nos séculos
XI e XII, as terras aráveis eram as que circundavam as aldeias, onde viviam os
aldeões, e nelas trabalhavam diretamente os arrendatários dos senhores, sob
regime de servidão (os servos).
Nas terras
fronteiriças às aráveis, mais afastados das aldeias, se situavam os pastos,
prados, bosques e ermos, que eram de uso comum.
Para o
arrendamento aos trabalhadores rurais, sob regime de servidão, as terras
aráveis eram delimitadas em duas partes, a parte maior – equivalente a 2/3 da
área – era de fato arrendada e a parte restante permanecia nos “domínios” do
senhor feudal, a qual o servo também era obrigado a trabalhar, gratuita e
prioritariamente.
A parte
arrendada não o era a um só arrendatário, mas dividida entre vários
arrendatários; cujos respectivos cultivos eram espaçados, para cada
arrendatário, em três faixas não contínuas, de modo que houvesse plantações
diferentes em dois campos e o terceiro ficasse em pousio.
A média da
totalização das faixas espaçadas, por cada arrendatário, era de 6 a 12
hectares, na Inglaterra, e em França, de 15 a 20 hectares.
Nessa
relação de servidão, as terras dos “domínios” do senhor feudal havia de serem
aradas em primeiro, semeadas em primeiro e ceifadas em primeiro, bem assim os
produtos do senhor deveriam ser levados ao mercado para serem vendidos
primeiro.
Se houvesse
necessidade, o arrendatário servil era obrigado a fazer gratuitamente o serviço
de construção ou reparação de uma obra nos domínios do senhor, a deixar o seu
próprio trabalho de lado; mas deveria pagar ao senhor a utilização do seu
moinho ou da sua prensa, caso deles precisasse.
A grande
diferença de um servo para o escravo era que o servo somente poderia ter novo
senhor se a terra, da qual era servil, tivesse a posse transferida a outro
senhor; mas também não poderia ele, o servo, mudar-se para outro feudo sem o
consentimento do seu senhor, pois ele era vinculado aquela terra em que morava
e trabalhava.4[4]
Outra
diferença do servo para o escravo é que o servo tinha a segurança da proteção
do seu senhor feudal contra qualquer abuso por parte de outros senhores, mesmos
nobres. Apenas o seu senhor poderia castigá-lo, de acordo com o direito
costumeiro que vigia na época. Dentro do feudo, não havia lei de poder maior do
que o poder do seu senhor. No feudo se observava o costume, com o senhor feudal
ordenando as regras jurídicas, inclusive as posturas assim como as municipais
hodiernas.
As
obrigações dos servos para com os senhores e desses para com aqueles, como
proteção em caso de guerra, eram estabelecidas e praticadas de acordo com esses
costumes, nos quais se assentavam os tribunais dos senhores, para os casos de
transgressões aos próprios costumes.
Uma demanda
entre um senhor e um servo, no entanto, seria sempre resolvida favoravelmente
ao senhor, visto que esse seria o próprio juiz da questão. Mas, senhores que
violavam os costumes com frequência poderiam ser chamados a tribunais do seu
senhor imediato; tendo havido notícia de que, na Inglaterra, camponeses podiam
ser ouvidos no tribunal real.
A respeito
da relação do servo com o senhor, escreveu Leo HUBERMAN:
“Havia vários graus de servidão, mas foi difícil aos
historiadores delinearem todos os matizes das diferenças entre os diversos
tipos. Havia os “servos dos domínios”, que viviam permanentemente ligados à
casa do senhor, trabalhavam em seus campos durante todo o tempo, não apenas
dois ou três dias na semana. Havia camponeses muito pobres chamados
“fronteiriços”, que mantinham pequenos arrendamentos de um hectare, mais ou
menos, à orla da aldeia, e os que nem mesmo possuíam um pequeno arrendamento,
mas apenas uma cabana, e deveriam trabalhar para o senhor como braços
contratados, em troca de comida.... Alguns vilões estavam dispensados dos “dias de dádiva”
e realizavam apenas as tarefas normais de cultivo. Outros simplesmente não
desempenhavam qualquer tarefa, mas pagavam ao senhor uma parcela da sua
produção, de uma forma muito semelhante ao que fazem, hoje, os nossos meeiros.(*)[5] Ainda outros não trabalhavam, mas faziam seu
pagamento em dinheiro.”5[6]
No geral e em última
instância, o rei era o dono das terras espalhadas pelo país, cujos
arrendatários diretos do rei – nobres ou cidadãos – eram os “principais
arrendatários”.
Como a terra praticamente
produzia todas as mercadorias, a quantidade de terras pertencentes pelo senhor
feudal era a medida da sua riqueza; ipso facto havia contínua disputa
pelo apossamento de terras, a induzir guerras entre senhores, que os levavam a
ter o maior número possível de vassalos para os enfrentamentos bélicos,
mediante a subdivisão máxima das terras que possuíam arrendadas.
Entre os maiores
proprietários de terras encontrava-se a Igreja. Esse patrimônio da Igreja fora
constituído mediante doações e legados por variados motivos de fé e caridade,
mas também por espólios de guerra repassados por reis e nobres.
“... por esses e outros meios a Igreja
aumentava suas terras, até que se tornou proprietária de entre um terço e
metade de todas as terras da Europa Ocidental. Bispos e abades se situaram na
estrutura feudal da mesma forma que condes e duques.”6[7][8]
O clero e a nobreza eram as
classes governantes e a classe trabalhadora cultivava a terra, como alegada
forma de pagamento por proteção espiritual e militar.
“O sistema feudal, em última análise, repousava sobre uma organização que, em troca de proteção, frequentemente ilusória, deixava as classes trabalhadoras à mercê das classes parasitárias, e concedia a terra não a quem a cultivava, mas aos capazes de dela se apoderarem.”7[9]
O arrendamento tomado pelo servo era chamado de posse, mas era o título de posse que mantinha o servo, não o servo que mantinha o seu título.
Era o servo da gleba a
produzir para o senhor no latifúndio feudal.
[1](1)
Frideriech ENGELS, op. cit. ps.119/122
(5) Leo
HUBERMAN, op. cit., p. 9
(**) Professor Chefe do Departamento de Ciências
Sociais da Universidade Columbia, designado em 1938.
(6) Leo HUBERMAN, op. cit., p. 15.