Bandeira de Mello: “Espero
que os embargos ajudem a mitigar injustiças”
publicado
em 11 de setembro de 2013 às 11:24
Bandeira
de Mello: "Esse julgamento contrariou com certeza a tradição jurídica
ocidental, talvez até universal"
por Conceição
Lemes
Celso
Antônio Bandeira de Mello, sem favor algum, é reconhecido, aqui e no exterior,
como um dos mais brilhantes e respeitados juristas brasileiros.
Professor
Emérito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-S), Bandeira de
Mello sempre esteve à frente de causas progressistas, tais como a luta contra
as privatizações realizadas no governo do então presidente Fernando Henrique
Cardoso (PSDB-SP).
Desde o
início do julgamento da Ação Penal 470 (AP 470), o chamado mensalão, desejava
entrevistá-lo. E quanto mais casuísmos foram aparecendo ao longo do
processo, mais essa vontade aumentava. Mas o professor relutava por questões
pessoais. Amigo há mais de 40 anos do ex-ministro Carlos Ayres Britto, Bandeira
foi quem o indicou ao ex-presidente Lula para uma das vagas do STF.
Finalmente
nessa terça-feira 10, às vésperas do final do julgamento da AP 470, consegui
que o mestre Bandeira de Mello me concedesse esta entrevista.
Viomundo
— Professor, qual a sua avaliação do julgamento da Ação Penal 470?
Bandeira
de Mello – Eu
considero que o processo foi todo viciado. Por várias razões. A começar
pelo fato de que ele não respeitou a necessidade de aplicar o duplo grau de
jurisdição. O Supremo julgou todos os denunciados como se estivessem incursos
no único dispositivo que permite isso — o artigo 101 da Constituição.
Na
verdade, a regra dos dois graus de jurisdição é universal, por assim dizer. Os
ministros do Supremo passaram por cima dessa regra, eles não quiseram nem saber
sua importância. É um absurdo na minha opinião. Esse é o primeiro ponto.
O segundo
ponto é que os ministros do Supremo adotaram um princípio que, a meu ver, é
incabível. O princípio de que as pessoas são culpadas até que se prove o
contrário. A regra é outra: as pessoas são inocentes até que se prove o
contrário.
No caso
do José Dirceu, eles partiram do princípio de que o Dirceu era culpado, porque
ele era hierarquicamente superior às outras pessoas. E isso bastaria para
configurar a responsabilidade dele. Portanto, uma responsabilidade
objetiva.
Viomundo
— Do ponto de vista jurídico, não é um absurdo?
Bandeira
de Mello — Claro
que é um absurdo. Isso cria uma inseguridade jurídica enorme. Esse julgamento
contrariou a tradição jurídica ocidental, talvez até universal. Mas, com
certeza, a tradição jurídica ocidental.
E o caso
paradigmático disso é justamente o do José Dirceu. Esse julgamento foi
levado a circunstâncias anômalas. Tanto que o ministro Barroso [Luís
Roberto Barroso], antes de ser empossado no Supremo, disse que aquela decisão
era um ponto que ele considerava fora da curva.
O que ele
quis dizer com isso? Que alguma coisa estava fora da linha de julgamento do
Supremo. Foi casuístico, na minha opinião.
Viomundo
— Por que o Supremo agiu assim?
Bandeira
de Mello — Acho
que foi impacto emocional da pressão maciça e unânime da chamada grande
imprensa.
Viomundo
— Até hoje o Supremo diz que os recursos do Fundo de Incentivo Visanet eram do
Banco do Brasil, portanto públicos. Só que, na verdade, os recursos financeiros
eram privados, da multinacional Visanet, e o Banco do Brasil nunca colocou um
centavo no Fundo. Como é que fica, professor?
Bandeira
de Mello — A meu
ver essa é outra posição errada que eles adotaram. Na verdade, esse julgamento,
a meu ver, está cheio de posições erradas.
Eu
respeito o pensamento dos outros, que não precisam coincidir com o meu. Ninguém
pode achar que é o dono da verdade. Mas, na minha visão, esse aí [o do
Fundo de Incentivo Visanet] é um outro equívoco dos ministros.
Viomundo
— Qual a consequência desses equívocos?
Bandeira
de Mello — Tira a
confiabilidade do Judiciário. Aqui, não posso deixar de registrar que um
ministro eminente, como o Lewandowski, procurou chamar a atenção para
vários erros cometidos ao longo do julgamento. E posteriormente, agora, o
ministro Teori, recentemente nomeado, foi específico nas maneiras de se
pronunciar. Inclusive considerou que estava errado o que ele tinha julgado
antes. Como você vê, um homem corretíssimo.
Com todo
o meu respeito pela Corte Suprema, que é a posição que todo advogado deve ter
em relação à mais alta Corte do país, eu diria que eles erraram. Errar é
humano. Todos os seres humanos erram. E, no caso do julgamento da Ação Penal
470, eles erraram e muito.
Viomundo
— Vários réus da Ação Penal 470, como José Dirceu, José Genoino e
Henrique Pizzolato, correm o risco de passar um bom tempo na prisão por
causa desse julgamento. O que pode ser feito, já que o julgamento está
cheio de erros, como o senhor acaba de assinalar?
Bandeira
de Mello — Tudo
isso pode ser mitigado agora com o julgamento pelos embargos
infringentes. Se esses erros forem admitidos, eles podem ser
corrigidos, ou, pelo menos, mitigados. Vamos ter de aguardar. Não dá para a
gente se desesperar antes das coisas acontecerem.
Viomundo
— Supondo que os ministros do STF rejeitem os embargos infringentes, a quem
recorrer?
Bandeira
de Mello -- Aos
tribunais internacionais. Seria o caminho natural.
Viomundo
— O senhor gostaria de acrescentar algo?
Bandeira
Mello — Eu
disse o que penso. A minha esperança, enquanto cidadão, é que os embargos
infringentes sejam recebidos e eles possam, pelo menos, mitigar as injustiças e
os erros do julgamento da Ação Penal 470 que são muitos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário