A VELHA ECONOMIA DA AUSTERIDADE E O DÉFICIT FISCAL
Nestes tempos de "caça à bruxa", processo macarthysta de impedimento da presidente Dilma Roussef, oportunamente caiu-me aos olhos em um artigo do economista Paul KRUGMAN, ganhador do Prêmio Nobel de Economia no ano de 2008, publicado na revista portuguesa Visão, edição de 12 de Novembro de 2015, intitulado A Sinistra Herança da Austeridade. O artigo fez-me recordar dos maus lençóis em que se envolveu a economia de Portugal com a política, iniciada de 2010 a 2011, precisamente pelo governo de Passos, a fazer cumprir naquele país a austeridade fiscal imposta pela "troika"; o que ocasionou, só no primeiro ano dessa política, o fechamento de 20% dos restaurantes lá existentes, conforme me afirmaram, na época, comerciantes da restauração de Lisboa e do Porto. Essa política de austeridade fiscal permaneceu de mal a pior, inclusive com retiradas extensivas de direitos remuneratórios do funcionalismo público, por mais de quatro anos, até que o governo neo-liberal caiu em Novembro de 2015; substituido por um governo de coalizão à esquerda, liderado pelo Partido Socialista. A "troika" já admitiu uma revisão naquela nefasta política de austeridade, em uma tentativa de que Portugal não se transforme em uma outra Grécia, cuja dívida à banca internacional - sempre protegida pelos governos neo-liberais - é simples e absolutamente insolúvel. Na Grécia, a queda do governo cumpridor da cartilha da austeridade se deu antes que em Portugal; mas a razão foi a mesma: o caos econômico gerado por essa política fiscal. Essa política de austeridade veio se dar em toda a Europa ocidental sob o comando da "troika" - Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Euroéia, empurrando vários países para crises recessivas, com altíssimas taxas de desemprego, como a Espanha, a Itália, a França, além dos já mencionados Portugal e Grécia. Ao início desta nota, disse que o artigo de P. Krugman caiu-me aos olhos oportunamente por que essa política de austeridade fiscal foi a aplicada agora no segundo governo da presidente Dilma Roussef, sob a batuta do ilustre financista Joaquim Levy. Banqueiro ou economista ? E essa política de austeridade, que leva à queda do consumo, à redução da produção, ao desemprego massivo, à queda da arrecadação, levará enfim, pelo caos que ensejou à economia do País, à queda do governo da presidente Dilma Roussef. Como disse certa vez Bill Clinton, quando presidente dos EEUU, redarguindo a alguem que lhe indagou sobre dificuldades do seu governo: "É a economia, imbecil!" A razão política do golpe é a situação econômica caótica derivada da sacrossanta austeridade fiscal. Aproveitem a lição magistral de P. Krugman.
A SINISTRA HERANÇA DA AUSTERIDADE
Quando a
crise económica rebentou em 2008, os decisores políticos fizeram de uma forma geral o que deviam
fazer. A Reserva Federal
e outros bancos centrais perceberam que o apoio ao sistema financeiro
tinha prioridade sobre as noções convencionais de prudência monetária. A administração Obama e suas congéneres entenderam que, numa economia em implosão, os
défices orçamentais não eram prejudiciais, antes pelo contrário. E a impressão de notas e o empréstimo de dinheiro
funcionou: conseguiu-se evitar uma repetição da Grande Depressão, que
parecia, na altura, demasiado possível.
Depois, começou tudo a correr
mal. E as consequências da má viragem que demos parecem hoje piores do que as imaginadas
pelos mais ácidos críticos do pensamento convencional.
Para quem já não se recorda (custa a crer há quanto
tempo isto decorre): em 2010, mais ou menos de
repente, a elite política de ambos os lados do Atlântico decidiu deixar de se
preocupar com o desemprego e começar a ra!ar-se, em vez disso, com os défices orçamentais.
Esta deriva não foi motivada por provas ou.uma.análise cuidada. De facto, ia até contra as noções básicas
de economia. Ainda assim, a conversa sobre os perigos do défice começou a ser uma coisa que toda a
gente fazia porque toda a gente dizia e os que fugiam
à norma deixavam de ser respeitados -razão pela qual comecei a chamar aos paroquianos da ortodoxia do momento VSP,Very Serious People (Pessoas Muito Sérias).
Alguns de nós tentámos em vão sublinhar o facto de que o fetiche
do
défice era ao mesmo tempo mal orientado e destruidor, de que não havia
provas de que a dívida estatal fosse um problema para as grandes
economias, enquanto era por demais evidente
que o corte nas despesas numa economia já deprimida só aprofundaria a depressão.
E os acontecimentos deram-nos razão. Mais de quatro
anos e meio se passaram desde que Alan Simpson e
Erskine Bowles avisaram o mundo para uma crise fiscal nos dois anos seguintes; os custos do dinheiro nos
EUA mantêm-se em mínimos históricos. Entretanto, as políticas de austeridade que foram postas em ação de 2010 em diante tiveram exatamente os
efeitos de depressão que os manuais de eco nomia previam; a fada da confiança não se deu ao luxo de aparecer.
Ainda assim há provas crescentes de que nós, os críticos, acabá mos por subestimar o quão destrutiva
a deriva para a austeridade seria. Especificamente, parece agora que as políticas de austeridade
não só impuseram a curto prazo a perda de empregos e a diminui ção da produção,
como também comprometeram o crescimento a longo prazo.
A ideia de que políticas que deprimam a economia no curto prazo também infligem
danos duradouros é geralmente referida como histerese. É uma ideia com um pedigree impressionante :
a defesa da histerese foi feita num artigo famoso, de 1986, da autoria de Olivier Blanchard, que mais tarde se tornou economista-chefe do Fundo Monetário
Internacional, e Lawrence Summers, que teve altos cargos nas administrações de Clinton e Obama. Mas acho que
toda a gente hesitava em aplicar a ideia da Grande
Recessão, com medo de parecer excessivamente
alarmista.
Neste ponto,
contudo, é como se a realidade gritasse histerese.
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O que isto sugere é que, quando nos
virámos para a austeridade, desencadeámos efeitos verdadeiramente catastróficos, que foram
muito para além da perda de empregos e rendimentos dos primeiros poucos anos. De
facto, os danos a longo prazo sugeridos pelas esti mativas de Fatás - Sumrners são suficientemente grandes para fazer da austeridade uma política autodestruidora mesmo em termos pura mente fiscais: os governos que sufocaram a despesa face à depressão feriram as suas economias e consequentemente as suas receitas fiscais futuras, de tal maneira que até as suas dívidas acabarão por superar os valores que teriam tido senão houvesse cortes.
E a amarga ironia da história é que esta
política catastrófica foi levada a cabo em nome de sermos responsáveis
a longo prazo, de tal maneira que os que protestavam
contra a viragem errada eram acusados de ter vistas curtas.
Há algumas lições óbvias desta desgraça. "Toda a gente que conta o diz" não é, decididamente, uma boa forma de decidir em política;
o pensamento em capelinha não pode substituir uma
análise clara. Também, pedir
sacrifícios (aos outros, claro)
não fillmÜl.ca que se seja
muito responsável. - -- -
Mas será que se
aprende com as lições? Os anteriores problemas económicos, como a estagnação dos anos 70, levaram à reconsideração generalizada da ortodoxia económica. Mas um aspeto
marcante dos últimos anos tem sido o quanto tão poucas pessoas estão dispostas a admitir terem
errado acerca seja do que for. Parece demasiado possível que os VSP, as Pessoas Muito
Sérias, que se alegraram com tanta política desastrosa, não aprendam nada
com
a experiência. E
esse facto é, à sua maneira, tão assustador quanto o seu resultado para a economia. Ili
Paul Krugman
Economista norte-americano, vencedor do Nobelde Economia em 2008
38 V ISÃO 12 NO V E MBR O 20 15
Excelente artigo, vale apena a leitura e reflexão!
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