SOBRE A VENEZUELA, OS EUA E O PETRÓLEO
(PRIMEIRA PARTE)
No dia 31 de março de 2021, li no site do ESTADÃO notícia de entrevista exclusiva que lhe dera o general da reserva C. A. Santos Cruz, ex-Ministro da Secretaria Geral da Presidência no (des)governo atual.
Diz o ESTADÃO nesta matéria, entre outras menções que, “rompido com o presidente que ajudou a eleger” ... “O general afirma que hoje não repetiria mais o voto em Bolsonaro nem em um hipotético segundo turno entre o presidente e sua nêmesis, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.”
Pela pena do ESTADÃO naquela noticiada entrevista, “O general acusa Bolsonaro de ter desrespeitado os comandantes, as funções e as próprias instituições”... e que “Santos Cruz diz ainda que ninguém pretende seguir o exemplo da Venezuela no Brasil.”
De tudo contido na matéria em foco, o que se me apresentou mais relevante é a referência à Venezuela, que nada tem com o imbróglio em que o Brasil se meteu a partir do golpe parlamentar que retirou Dilma Roussef do exercício da Presidência da República, em 2016, e que se aprofundou com a injusta e ilegal prisão do ex-presidente Lula da Silva, com a adrede eleição do ex-tenente J. B. para aquele cargo, em 2018.
Tenho notado que, desde as campanhas de rua iniciadoras da movimentação tática dos extremistas neoliberais para o assalto ao Poder, em 2013, quando alguma personalidade, mesmo de menor capacidade política, quer dissentir de ações desse agrupamento político sem querer causar-lhe oportunidade de acusação de “esquerdismo”, ou sendo aparentemente de “centro-esquerda” quer se achegar àquele agrupamento, desanda a vociferar contra a Venezuela, esconjurando-a porque o seu regime seria ditatorial.
Parece-me que tais exclamações, quase sempre despropositadas ou inoportunas, subsumem disfarçada demonstração de lealdade canina aos interesses do império econômico norte-americano, e propositada (ou não) ignorância da história política e econômica da Venezuela, bem assim dos fatos atuais relativos à guerra econômica e às ameaças de invasão encetadas pelos sucessivos governos dos EUA contra o país venezuelano, desde quando Hugo Chávez assumiu o poder venezuelano em 1999, e às reiteradas eleições populares e universais realizadas naquele país caribenho, com a maior freqüência dentre todos os das Américas.
Nos dias mais intensos da pandemia provocada pela COVID 19, deu-se-me de reler, “Que sabe você sobre petróleo?”, da autoria de Gondin da Fonseca, obra a qual li a primeira vez há quase sessenta anos. Trata-se de um dos maiores livros não ficcionais já escritos no Brasil, que foi fundamental, entre outros, para a minha própria formação política.
Esse livro de Gondim da Fonseca contém esclarecimentos históricos que os néscios políticos, e mesmo os entreguistas ignorantes (que os há em grande número), precisam ter em mente quando falam sobre a Venezuela.
Para início de referência à virtual colônia do império norte-americano que era a Venezuela, pauperizada ao extremo e sufocada em suas mais legítimas aspirações de independência econômica, até antes da subida de H. Chávez à presidência venezuelana, que se anote o que está escrito no citado “Que sabe você sobre petróleo?” (4.ª edição, 1955):
“Na Venezuela domina a Standard. Todos os seus campos petrolíferos, - os de Maracaibo, Falcón, La Rosa, Ambrosio, La Paz, Rio Palmar, Concepción, etc., são controlados por esse bruto consórcio estadunidense. A renda do país provém dele. Logo, a política do país gira também em torno dele. Quando surgiu na Venezuela um presidente nacionalista, Romulo Gallegos, que aconteceu? Foi deposto sumariamente pela Standard; e o adido militar dos Estados Unidos, - conforme declaração de Gallegos, - dirigiu a revolução “salvadora”. (Págs. 84/5)
O mesmo tipo de golpe perpetrado contra Romulo Gallegos, em 24 de novembro de 1948, foi intentado contra Hugo Chávez mais de cinqüenta depois, em 11 de abril de 2002, pelos novos representantes da alta burguesia venezuelana, civis e militares, em concerto com os poderosos condutores dos interesses econômicos do império norte-americano, como rememorou o <sítio brasildefato.com.br>:
“ Neste 11 de abril de 2020, completam 18 anos da primeira tentativa de golpe de Estado contra o ex-presidente venezuelano Hugo Rafael Chávez Frías. O ex-comandante foi sequestrado por militares desertores, que colocaram em prática um plano arquitetado por setores tradicionais das classes mais abastadas do país, vinculadas à indústria do petróleo e à Casa Branca.
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Rapidamente os governos dos Estados Unidos, Espanha, Equador, Colômbia e Nicarágua reconheceram a junta golpista cívico-militar.
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Numa operação coordenada entre o chavismo organizado, o povo venezuelano e as forças armadas, o vice-presidente constitucional Diosdado Cabello conseguiu entrar novamente no Palácio de MIraflores, assumindo as funções de chefe de Estado até que em 13 de abril Hugo Chávez voltou à presidência.”
O que motivou esses golpes? O realizado contra Romulo Gallegos, o intentado contra Hugo Chávez e as outras tentativas depois, inclusive contra Nicolas Maduro, o sucessor democrático de Hugo Chávez e atual mandatário na Venezuela?
Antes tendo advertido que “A Venezuela é, de fato uma colônia ianque” (pág. 88), esclarece meridianamente Gondim da Fonseca, na indicada obra, em passagens que aqui transcrevo literalmente:
“Outrora, na Venezuela, mandava a Shell. Hoje oitenta por cento do petróleo desse país é da Standard. Quando a Inglaterra gemia e chorava às portas da derrota, com Hitler nos calcanhares, vocês se lembram que pediu soda aos Estados Unidos e os Estados Unidos lhe entregaram 50 destroyers? ...
... Os destroyers foram secretamente permutados por campos petrolíferos. ...
No dia 23 de outubro de 1943 comunicavam as agências telegráficas ianques à imprensa da América do Sul que “a administração de petróleo para o consumo de guerra, de Washington, decidira ativar a produção de petróleo da Venezuela”. A fim de explicar semelhante patifaria (um país dispondo da produção de outro) acrescentava o despacho: “oitenta por cento dos recursos petrolíferos venezuelanos pertencem a firmas ianques e apenas vinte por cento ainda se encontram sob o controle de empresas britânicas”. (págs. 173/4)
... Nos Estados Unidos (lembrem-se! Lembrem-se!) todos os presidentes da República são presidentes legais da Standard. Não de direito, mas de fato. Na Inglaterra, todos os primeiros-ministros são presidentes legais da Shell. Não de direito, mas de fato. Os governos da Inglaterra e dos Estados Unidos tudo farão para conquistar as áreas petrolíferas do Brasil. “(pág. 200)
Neste passo, é de se anotar fato público e notório que referenda a assertiva de Gondim da Fonseca, qual seja que Condolezza Rice, ex-Secretária de Estado dos EUA, no período de 2005 a 2009 da presidência de George W. Bush, antes de assumir esse cargo fora presidente de direito e de fato da Exxon, a atual denominação comercial da Standard Oil of New Jersey.
De volta aos fatos relativos à história exclusiva da Venezuela, remeto-me à nota (1) na CONVERSA PREAMBULAR COM O LEITOR BENIGNO (PREFÁCIO DA 3.ª EDIÇÃO) inserida na quarta edição da esclarecedora obra de G. da Fonseca aqui reportada:
“Na Venezuela, conforme adiante se dirá, o petróleo de exportação não é refinado nos portos de embarque, mas nos Estados Unidos e nas ilhas de Aruba e Curaçáu. O capital monopolista inglês e ianque não confia na passividade do explorado ilota venezuelano. E por isto não constrói ali refinarias. Pobre, miserável país! A 10 de maio de 1946, o “Correio da Manhã ”órgão entreguista carioca transmitia em sua secção de “Economia e Finanças” esta lamentável notícia do exterior: “A Venezuela continua a importar grandes quantidades de gêneros alimentícios . Vejamos os dados globais referentes a compras externas de milho, trigo, açúcar, legumes e outros produtos: 1950, 108 milhões de dólares; 1951, 111 milhões; 1952, 107 milhões; e 1953, 109 milhões”. Podemos informar que tais compras aumentaram em 1954 para 115 milhões. A área da Venezuela ultrapassa um milhão de quilômetros quadrados e a sua população não chega a 5.500.000 habitantes. Importando como importa (300.000 dólares por dia de milho), legumes, etc.) conclui-se que ali não existe qualquer sombra de agricultura organizada. Todas as atividades do povo convergem para o petróleo, sob o chicote da Standard e da Shell.”
(Que sabe você sobre petróleo?, págs. 44/5)
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