sexta-feira, 12 de outubro de 2018

ONU e ditadura, segundo a imprensa livre e independente.

Metro, jornal do grupo de comunicação Bandeirantes, de São Paulo, publicou na edição de ontem, quarta feira, 10 de Outubro de 2018, página MUNDO (08), na mesma coluna, duas notícias em que sita atuação da ONU - Organização das Nações Unidas. 
A primeira notícia, a encabeçar e intitular a coluna em tipo negrito e tamanho duas vezes maior do que os subtítulos das demais notícias que se lhe seguem, anuncia: "Venezuela. ONU, Brasil e UE solicitam apuração de morte de vereador opositor"; e traz ao seu lado retrato do indigitado político, inclusive com legenda abaixo. O conteúdo literal da  matéria expressa:
  "A morte  de um vereador da oposição após queda em prédio do Serviço Bolivariano de Inteligência    Nacional, em Caracas, na Venezuela, trouxe preocupação à comunidade internacional.
   ONU (Organização das Nações Unidas), UE (União Europeia) e o governo brasileiro pediram ontem investigação transparente e independente sobre o caso.
   Fernando Albán Salazar foi preso na sexta feira em apuração sobre sua participação em tentativa de    atentado utilizando drones contra o presidente Nicolás Maduro, ocorrido há dois meses.                                                            O governo venezuelano diz que o vereador pediu para ir ao banheiro e teria e teria então se jogado da janela do prédio. METRO COM AGÊNCIAS"
 Abaixo daquela notícia sobre morte com suspeita de motivação política, ocorrida em unidade policial venezuelana segue-se, tratada graficamente com rigoroso e visível desapreço ao seu conteúdo,  notícia sobre o desaparecimento dentro de uma repartição diplomática da Arábia Saudita na Turquia de um jornalista árabe que exerce sua profissão em Washington, EUA, e que ali fora em para tratar de documentos pessoais  relativos a um seu próximo casamento: matéria incrustada na coluna em subtítulo e com fundo cinzento, que não a destaca mas dificulta a sua leitura. O seu conteúdo literalmente expressa:
"Desaparecido Arábia Saudita autoriza revista em consulado O Ministério das Relações Exteriores turco informou que a Arábia Saudita autorizou revista em seu consulado mantido na capital da Turquia. A polícia quer pistas sobre o jornalista saudita opositor ao governo que sumiu após ir ao local retirar documentos. A ONU (Organização das Nações Unidas) pediu esclarecimento sobre o caso. METRO"
 Tem-se então, pelas notícias publicadas pela livre e independente imprensa brasileira, que a ONU quer investigação transparente e independente sobre a morte de um político ocorrida escandalosamente em plena rua, a partir de uma queda sofrida de um prédio governamental venezuelano; presumivelmente porque o regime da Venezuela seja ditatorial, ainda que seja o país no mundo que mais realizou consultas populares nesta década - eleições e plebiscitos, cuja oposição furibunda e golpista seja maioria no parlamento nacional, que o governo - ainda com Chaves na presidência - tenha sofrido um golpe militar revertido com apoio popular, que um prédio governamental tenha sido bombardeado por um aviador militar comprometido com a política estadunidense e  que seja vítima - quase indefesa - de um dos maiores boicotes econômicos perpetrados atualmente contra uma nação, praticado pelos EUA e por esse exigido junto aos países dependentes de relações comerciais com eles.

Mas, quanto ao desaparecimento do jornalista árabe dentro de repartição diplomática da Arábia Saudita na Turquia, sabe-se pela mesma mesma edição da coluna que publicou a outra notícia, que candidamente a ONU pediu esclarecimentos sobre o caso; de certo porque a Arábia Saudita não é um reino absolutista governado mediante um regime ditatorial considerado o mais cruel mundialmente (Assim é visto por entidades de defesa dos direitos humanos, vinculadas ou não à própria ONU). 
Ao ler essas notícias, de pronto veio-me à recordação passagens da peça Um Inimigo do Povo, de Henrick IBSEN, contida em cinco atos, em 1882. 
Ocorreu-me a lembrança dessa peça porque o fulcro dela é a luta entre a mentira e a verdade, a cobiça privada e a defesa da saúde pública ("lato et stricto sensu"), o biltre e o homem digno, que se dá numa cidade norueguesa em que é essência decisiva o posicionamento para um daqueles lados do jornal local A Voz do Povo, auto reconhecido quarto poder, por se dizer representante da opinião pública, mas para dominá-la perfidamente.
Já no terceiro ato há como que prenúncio do posicionamento vil que o jornal assumirá adiante no decorrer da peça, ao reconhecer o seu editor que "Nós jornalistas, .., não valemos grande coisa."
No quarto ato, verifica-se a reviravolta na política que adotava o jornal, com a consumação da aliança dos seus interesses financeiros com os econômicos do governante e dos empresários, contra o relatório de exigências de procedimentos públicos do Dr. Stockmann, médico da estação balneária da cidade (o protagonista da peça) contra o qual lutavam quase todos os demais personagens principais - á exceção da sua mulher, da sua filha e de um comandante de navio -  por haver descoberto contaminação das águas locais por ação industrial de curtumes também lá estabelecidos. Com a recusa do jornal em dar publicidade ao seu relatório, promoveu o Dr. Stockman uma palestra  a ser proferida  em dependência de casa que lhe arranjara seu único passivo aliado (o comandante), na qual daria a conhecimento público a verdade que descobrira sobre a contaminação das águas; intenção que veio a ser frustrada por um "coup de main" transformador da palestra em assembleia, com a proibição de ser referido o assunto do relatório pelo doutor. Tolhido por não poder dizer a verdade ao público, o Dr. Stockman então, em debate com o editor do jornal (Sr. Hovstad), exclama: 
"Admitamos que o livre pensador seja eu. Por isso mesmo, faço questão de estabelecer cientificamente , de modo a que todos fiquem convencidos, que o Sr. Hovstad e a Voz do Povo, quando afirmam que representam a maioria, a própria essência do povo, estão se divertindo a sua custa.Isso, fiquem sabendo, nada mais é que uma mentira de imprensa! Um truque. Manipulam o pensamento da população para terem vantagens."  
Logo na parte inicial do quinto ato, o final da peça, em discussão com a esposa sobre o rumo que o caso tomou e suas consequências, O Dr. Stockman reclama sobre a opinião pública assenhorada pela imprensa:
" Na verdade, acho que nas outras cidades as pessoas devem ser tão violentas e intolerantes quanto as da nossa cidade. Em toda a parte é a mesma coisa. Mas, afinal , pouco se me dá. Deixemos ladrar os vira-latas. Isso não é o pior: o pior é que, de uma extremidade a outra do país, todos estão atrelados às vontades dos partidos políticos. Na América, é possível que as coisas não sejam melhores. Por lá também existe a chamada opinião pública, a maioria silenciosa. mas tudo isso se dá em vastas proporções, há a diversidade de opiniões.Matam de uma vez só e não vagarosamente, sob tortura, como fazem aqui.Pelo menos lá o indivíduo tem o direito a optar pela solidão."
E quase de imediato, a retrucar observação da sua esposa, remata o protagonista da peça:
  "O que está dizendo?! Por acaso não é verdade o que eu disse? Eles conseguem distorcer tudo! Misturam justiça e injustiça. Não dizem que é mentira o que eu sei ser uma terrível verdade? E pior! Há loucura maior do que ver esses homens que se consideram respeitáveis, autointitulados liberais, manipulando a opinião das pessoas em benefício próprio? E ao final, Catarina, é como se houvesse um partido único; certo ou errado, todo mundo pensa igual! 

 
                                                                    

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